ja’pu’vawqoy


puqloDwI’ ja’pu’vawq Dayep
pe’vIl chop Ho’Du’Daj; pe’vIl Suq pachDu’Daj
Ha’DIbaH puv juchyub yIyep
bInDepSuHach vaQeHmuS ghombe’ DanIDjaj

‘etlhDaj veSpatlh HujtaH ghopDaj–
jagh HoSlaw’ law’ veqlargh Hos puS! nIteb nej nI’
vaj Sor tamtam, ghaH retlhDaq Qam
nI’be’ leSlI’ ghah (Sor retlhDaq) ‘ej ghaH QublI’

Tradução (incompleta) para o idioma do Império Klingon por Keith Lim

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Chabbawaaki

Bilillik onahma_, tofi alhiihat waybi no_tama_
Kayli-chah kimbala-sh ma_yattook.
Bolokoofat mimsit tahanah
Laalhi alhiilha moomat pit kalabattook.

Tradução fragmentária para choctaw (idioma dos nativos americanos dos estados do sudeste: Mississippi, Florida, Alabama e Luisiana) por Aaron Broadwell

‘Armário de especiarias e ervas aromáticas’

Cerefólio manjerona
malagueta benjoim
noz-moscada cardamomo
salsa sândalo alecrim

erva-doce piripiri
cravinho canela em pau
gengibre menta tomilho
pimpinela colorau

mostarda pó de chili
salva cominhos pimenta
basílico salsifri

zimbro funcho açafrão
orégãos coentros caril
azedas louro estragão

Jorge Sousa Braga, O Segredo da Púrpura (1991)

Marina Abramovic: ‘Manifesto sobre a vida do artista’

1. a conduta de vida do artista:

– o artista nunca deve mentir a si próprio ou aos outros- o artista não deve roubar ideias de outros artistas
– os artistas não devem comprometer o seu próprio nome ou comprometer-se com o mercado de arte
– o artista não deve matar outros seres humanos
– os artistas não se devem transformar em ídolos
– os artistas não se devem transformar em ídolos
– os artistas não se devem transformar em ídolos

2. a relação entre o artista e sua vida amorosa:

– o artista deve evitar apaixonar-se por outro artista
– o artista deve evitar apaixonar-se por outro artista
– o artista deve evitar apaixonar-se por outro artista

E passim. Tirado daqui, com todas as vénias à Anita.

Sessão 7 de «Páginas Tantas»: Bernardo Carvalho

Bernardo Carvalho é o convidado da sessão 7 de «Páginas Tantas», iniciativa conjunta do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e do Teatro Académico de Gil Vicente. A sessão terá lugar hoje, 2 de Julho, pelas 18h 30m, no foyer do TAGV. O painel será constituído por Ana Maria Machado e Osvaldo Manuel Silvestre.

Bernardo Carvalho nasceu em Lisboa em 1973.
Aos 5 anos, começou a subir à prateleira do pai para ler todos os livros de banda desenhada que encontrava.
Aos 10, atropelou uma velhota na sua bicicleta amarela e os remorsos e a culpa nunca mais o largaram.
Aos 17, os testes psicotécnicos indicaram “92% ar livre”.
Aos 19, entrou para o Curso de Design de Comunicação da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, mas a certa altura resolveu sair (os testes psicotécnicos tinham razão).
Por essa altura fez o Curso de Desenho na Sociedade de Belas Artes.
Aos 22 anos entregava empadas em cafés numa carrinha, mas foi despedido por justa causa (“esmagamento e furto de empadas” constava no processo).
Foi assim que começou a sua carreira de desenhador.
Em 1999, fundou o Planeta Tangerina.
Desde então ganhou vários prémios:
Menção Honrosa no “Best Book Design From All Over the World” da Leipzig Foundation; “Melhor Livro Editado” no CJ Picture Book Festival da Coreia; Titan Awards; Prémio Nacional de Ilustração 2010; “Melhor Livro” Banco del Libro (Venezuela); Nomeação para a Lista de Honra do IBBY.

Livros a apresentar na sessão 7 de «Páginas Tantas»

Ficção

● Iris Murdoch, Sob a Rede (trad. Maria de Lourdes Guimarães), Lisboa, Relógio D`Água, 2011. ISBN 9789896412418.

● Fernando Pessoa, O Mendigo e outros contos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-79304-1

● Fernando Pessoa, Contos Completos, Lisboa, Antígona, 2012. ISBN 978-972-608-223-1

Poesia

● Giovanni Testori, Três Prantos (Miguel Serras Pereira), Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-37-1622-1.

● Jorge Sousa Braga, O Novíssimo Testamento e outros poemas, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-79303-4

Ensaio

● Hans Magnus Enzensberger, O Afável Monstro de Bruxelas (trad. Júlia Ferreira e José Cláudio), Lisboa, Relógio d’Água Editores, 2012. ISBN 978-989-641-292-0.

● Jacques Rancière, A Noite dos Proletários. Arquivos do sonho operário, Lisboa, Antígona, 2012. ISBN 978-972-608-220-0

Literatura infantil

● Manuel António Pina, O Têpluquê e outras histórias, ilustrações de Bárbara Assis Pacheco, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-78661-6

«Aniversário», José Ángel Valente

Não compreenderás
para que é que voltei.
Talvez, aí deitada,
não compreendas
nada do que vive.
Voltei, apesar de tudo,
para falar-te outra vez.
(Está molhada
e limpa a colina.)
Ainda te vejo
com o rosto de sempre
e os cabelos, em seu reino
de fumo, algo encanecidos.
Não tenho olhos
para mais. Não és
talvez assim e é isso a morte.

Voltei para te falar.
Estou aqui. Não compreendes
nada. Esqueci-te
tanto e consegui
esquecer-te tão pouco.
Estou alegre: às vezes
não me recordo de ti
(também isso é a morte?).
Não sei se me compreendes,
nem sequer
se estás aqui ou deslizas
por um ar que nunca
pesou sobre a minha boca.

(A colina, apesar de tudo,
está quieta debaixo do céu
tal como dantes.)
Mas ouve-me se puderes.
Num dia como o de hoje
caiu a neve,
arrebatadora. Eu cumpro,
inutilmente, o rito. Mas não importa;
não podes compreender-me.
Tudo foi cortado.

Poema incluído em A modo de esperanza (1954). Tradução de OMS.

Bernardo Carvalho na sessão nº 7 de «Páginas Tantas»

Recordamos que a sétima sessão de Páginas Tantas, a ter lugar no próximo dia 2 de Julho, no TAGV, pelas 18h 30m, terá como convidado o ilustrador, e fundador da editora Planeta Tangerina, Bernardo Carvalho (reproduzimos acima um auto-retrato do autor). Acompanhando a sessão, algumas ilustrações de Bernardo Carvalho serão expostas no foyer do teatro.

A cegueira da escrita. Sobre a cena da escrita em Carlos de Oliveira

Nenhum heroísmo, nenhuma retórica, um mínimo de corpo: eis uma descrição possível da cena da escrita em Carlos de Oliveira. A cena, esclareça-se, é nocturna, oficinal e despojada de qualquer tipo de transcendência, nem que apenas a fornecida por essa forma moderna, ou burguesa, de transcendência a que damos o nome de Literatura. O autor escreve à «luz eléctrica», que aqui não é um dos nomes (ou o nome) do ansioso Eros moderno, fabril e febril, de Álvaro de Campos, mas tão-só o foco e o casulo de uma prática simultaneamente criativa e mecânica, corporal e espectral, intensa e mortificante. Leia-se, de uma das escassas descrições dessa cena:

O trabalho oficinal é o fulcro sobre que tudo gira. Mesa, papel, caneta, luz eléctrica. E horas sobre horas de paciência, consciência profissional. Para mim esse trabalho consiste quase sempre em alcançar um texto muito despojado e deduzido de si mesmo, o que me obriga por vezes a transformá-lo numa meditação sobre o seu próprio desenvolvimento e destino. (Carlos de Oliveira, O Aprendiz de Feiticeiro, Lisboa, Sá da Costa, 19793, pp. 205-206.)

Notemos o perfil moderno deste autor «sem biografia», como quase todos os grandes modernos, a começar pelo escriturário Pessoa: «trabalho oficinal», «consciência profissional», «horas de paciência», despojamento e, finalmente, auto-consciência da obra de arte. Esta descrição surge potenciada em verso no extraordinário «Soneto Fiel», de Sobre o lado esquerdo (1968), de que transcrevo os últimos sete versos: «A solidão coalhada sobre a mesa. // As sílabas de cedro, de papel, / A espuma vegetal, o selo de água, / Caindo-me nas mãos desde o início. // O abat-jour, o seu luar fiel, / Insinuando sem amor nem mágoa / A noite que cercou o meu ofício». Resumindo abruptamente, dir-se-ia que estes versos, como as breves e escassas descrições da cena da escrita em Carlos de Oliveira, nos sugerem o escritor como um «escriturário da literatura», essa versão tardo-oitocentista rastreável já no Flaubert de Bouvard et Pécuchet, segundo a qual a dicotomia feliz entre o burocrata e o criador está condenada a fracassar sob a luz crua (a luz eléctrica…) das realidades do «ofício». Por outras palavras, o poeta é um oficiante — notem-se as conotações sacras, e genesíacas, do verso «Caindo-me nas mãos desde o início» — ungido pela epifania… da burocracia, cujo outro nome, ou pseudónimo, seria «literatura». Esta consistiria provavelmente numa vasta corporação de funcionários solitários, assinalados, na escuridão da «fábrica», pelo seu abat-jour fiel. O nome desta fábrica, como já foi sugerido, pode ser literatura ou, mais radicalmente, linguagem.

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Sessão 6 de «Páginas Tantas»: Álvaro Domingues

Álvaro Domingues é o convidado da sessão 6 de «Páginas Tantas», iniciativa conjunta do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e do Teatro Académico de Gil Vicente. A sessão terá lugar hoje, 4 de Junho, pelas 18h 30m, no foyer do TAGV. O painel será constituído por Osvaldo Manuel Silvestre e Ricardo Namora.

Álvaro Domingues nasceu em Melgaço, em 1959. Licenciou-se em Geografia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, instituição na qual se doutorou em Geografia Humana em 1994. As suas áreas de interesse particular têm sido a Geografia Urbana, o Urbanismo, a Paisagem, os Territórios e as Políticas Urbanas e Culturais. É Professor Associado da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) e investigador do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (CEAU-FAUP). Foi Professor Convidado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de Granada e leccionou já na pós-graduação do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. Recebeu o Prémio Caixa Geral de Depósitos e Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional pelo melhor trabalho nacional sobre desenvolvimento regional, publicado durante os anos 1994-1996.

Com A Rua da Estrada (Dafne, 2010) e Vida no Campo (2011) iniciou a publicação de uma tetralogia sobre o Portugal contemporâneo, centrada nas noções de «paisagem transgénica» e «desruralização», que vem tendo grande impacto público.

Livros a apresentar na sessão 6 de «Páginas Tantas»

Ficção

● Gonçalo M. Tavares, Short Movies, Lisboa, Caminho, 2011. ISBN 978-972-21-2459-1

Poesia

● Manuel António Pina, Todas as Palavras. Poesia reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-79293-8

Ensaio

●  Jacques Rancière, O Espectador Emancipado (trad. José Miranda Justo), Lisboa, Orfeu Negro, 2010 [2008]. ISBN 978-989-8327-06-2.

●  Delfim Sardo, Obras-Primas da Arte Portuguesa – Século XX – Artes Visuais, Lisboa, Athena, 2011. ISBN 978-989-31-0023-3.

● Georges Didi-Huberman, Imagens apesar de tudo, Lisboa, KKYM, 2012. ISBN 978-989-97684-1-3

Mário de Carvalho voa na net

Um dos grandes escritores portugueses dos nossos dias está agora online, aqui. A visitar, como diria um dos mestres do vernáculo e da literatura portuguesa mais prezados pelo nosso autor, com mão diurna e nocturna.

Vitória amarga

Não tivesse hoje o virtuosismo má reputação e má imprensa e poderíamos colocar o autor de Antes do Circo no grupo dos autores demasiado sábios do seu ofício. De facto, o mais impressionante nesta recolha é a forma como ela se coloca, aparentemente, no ponto mais tardio de uma certa dialéctica moderna na qual a latência da obra de arte se vai esvaziando em favor de um triunfo do manifesto das formas – e de um triunfo de uma versão da obra, e da Arte, como forma dissimulada, ou contrabandeada, sob temas tendencialmente desprovidos de qualidades ou nulos o bastante para percebermos que se trata de dissimulação e contrabando. Para esta leitura, a epígrafe de Carlyle sob a qual o autor desejou colocar o livro – «Could anything like a story be made?» – parece ratificar os extremos a que a modernidade conduziu a aporia que descobriu, ou melhor: radicalizou, entre «contar» e «história», na medida em que aprendemos, com essa velha senhora, que só há contar e que toda a história é essencialmente, para não dizer «apenas», história do contar, sendo essa a verdadeira epopeia da literatura moderna, votada necessariamente à derrota ou à amarga vitória com que palavras fazem mundo (e eis respondida a pergunta de Carlyle).

Continuar a ler

«Estranhar Pessoa com as Materialidades da Literatura»: no próximo dia 25, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Mais informações aqui.

Para os resumos das comunicações e notas curriculares dos palestrantes, ver aqui.

Notas sobre Luís Quintais (V)

Tanto assim que a temporalidade introduzida pela criança só é resgatável em sede mítica e mágica. Porque, de resto, como se diz no poema «Régua», de Angst, «Uma fotografia do teu filho aos dois anos / não é régua com que meças o tempo». A verdadeira régua do tempo é a azagaia do poema «Azagaia, árvore, sombra» do livro de estreia de Quintais, esse «objecto nobre» que, como a sombra da árvore da casa africana da infância «se soltou das contingências de lugar e luz // para viajar no eterno». Esta questão regressa de modo impositivo no grande poema «Breve história do tempo», de Angst, que começa assim:

Vejo numa extensão de líquenes
traços de carros, caminhos
para o que se afigura irrecuperável.

Carros puxados por animais (bois,
Cavalos?) cruzando-se com os 4 por 4
(Land Rover?)

O antropólogo em Quintais lê o tempo na natureza e na inscrição do humano nela: líquenes, sulcos de carros de bois e jipes. Os tempos sobrepõem-se, líquenes e sulcos sobreviver-nos-ão:

Somos interlocutores do eterno,
pensei eu. Todos os tempos se cruzarão

neste lugar como a fúria da ígnea lava
descendo a encosta e revolvendo tempos
em outro lugar. Toda a terra terá

o rosto da mesma terra e a cor
do mesmo movimento. No passado vive o presente
e o futuro, e os carros a tracção animal

cruzam-se sem cessar,
nos limites deste mundo,
com os 4 por 4.

O título borgesiano do poema, destilando a sua peculiar ironia, não se traduz contudo em alegoria, mas antes em imagens: o poeta olha e descreve uma sobreposição de linguagens que são tempos (ou tempos que são inscrições materiais, isto é, linguagens). No seu poema mais adorniano, o já referido «A inútil poesia», e sob o pano de fundo do Holocausto, Quintais aborda as antinomias do «dever de memória» perguntando «Como esquecer? Como não esquecer?» e refere lugares – Varsóvia, Treblinka, aldeias – onde «nomes se perfilam / num vórtice de tempos que se abrem noutros tempos /e gritos se abrem noutros gritos». Em «Breve história do tempo» estamos antes no universo do poema «Nuvens» que propus como entrada nesta poesia. O mundo material cruza e sobrepõe as inscrições de natureza e cultura, problematiza-se e indecide-as: «todos os tempos se cruzarão», «No passado vive o presente / e o futuro». O poeta-antropólogo reage à densidade do mundo com uma espécie de «descrição densa», mas agora em versão não discursiva mas elíptica, vale dizer, por imagens. A imagem, porém, deflagra apenas nos limites – «os carros a tracção animal / cruzam-se sem cessar, / nos limites deste mundo, / com os 4 por 4» – pois é aí que mora a poesia enquanto pressão sobre o visível e improvável ocorrência daquilo que mora no limite do nosso mundo, isto é, para lá dos limites da linguagem (sem esta derrogação de Wittgenstein a poesia tem dificuldade em vir à existência). Esses limites nos quais, ou para lá dos quais, «somos interlocutores do eterno» e nos quais vemos as nuvens que são arrastadas no céu, «violentamente arrastadas, na direcção sudeste, / filtrando a luz do sol em obsessiva correria».

[Texto lido no Centro Cultural de Belém, a 22 de Março de 2008, no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Poesia]

Como avaliar e distinguir o mérito em Ciências Humanas?

De fato, sem a reflexão formadora das Humanidades, não há universidades, mas apenas escolas politécnicas, centros de pesquisa ou escolas de tecnologia. E é nosso papel fazer com que saibam e que vejam, na reivindicação de respeito à especificidade e diversidade nas formas de conceber e produzir o conhecimento, não um complexo de inferioridade de um saber menor, que estaria apenas reivindicando atenção ou afrouxamento de critérios de rigor, mas um gesto de recusa a uma concepção de saber e de mérito demasiado estreita e, a rigor, desprovida de seriedade filosófica e perspectiva histórica.

Eis um texto fundamental de Paulo Franchetti, professor na Unicamp, sobre «Paradigmas do Mérito em Ciências Humanas». E sobre a diferença de critérios de avaliação em ciências humanas e nas tecnociências, questão a abordar sem receios nem complexos de inferioridade.

Para ler e discutir pelo maior número de pessoas possível.

Sessão 5 de «Páginas Tantas»: Jacinto Lucas Pires

© João Tuna

Jacinto Lucas Pires é o convidado da sessão 5 de «Páginas Tantas», iniciativa conjunta do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e do Teatro Académico de Gil Vicente. A sessão terá lugar hoje, pelas 18h 30m, no foyer do TAGV. O painel será constituído por Osvaldo Manuel Silvestre e Ricardo Namora.

Autor de uma já vasta obra dividida pelo teatro e pela ficção, iniciada em livro em 1996 com o volume de contos Para averiguar do seu grau de pureza, Jacinto Lucas Pires tem livros e peças de teatro traduzidos em espanhol, croata, tailandês, francês, inglês, norueguês. Desde a sua estreia como dramaturgo, com Universos e Frigoríficos (1998), trabalhou com alguns dos mais relevantes encenadores portugueses. Este ano, escreveu o monólogo Adalberto Silva Silva para o ator Ivo Alexandre. Esse “espetáculo de realidade” estreou no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, no dia 23 de fevereiro.

Realizou duas curtas-metragens, Cinemaamor (1999) e B.D. (2004).

Faz parte, com Tomás Cunha Ferreira, da banda Os Quais – que lançou um Meio disco em 2009 e este ano lançará um disco inteiro chamado Pop é o contrário de pop.

Foi-lhe atribuído em 2008, pela Universidade de Bari/ Instituto Camões, o Prémio Europa – David Mourão-Ferreira.

O seu último livro foi o romance O verdadeiro ator, em 2011.

Livros a apresentar na sessão 5 de «Páginas Tantas»

Ficção

● Clarice Lispector, O Lustre, Lisboa, Relógio d’Água, 2012. ISBN 978-989-641-283-8

● Clarice Lispector, Água Viva, Lisboa, Relógio d’Água, 2012. ISBN 978-989-641-284-5

● Jorge Luis Borges, História da Eternidade, Lisboa, Quetzal, 2012. ISBN 978-972-564-992-3

● Jorge Luis Borges, O Livro de Areia, Lisboa, Quetzal, 2012. ISBN 978-972-564-993-0

Poesia

●  Edgar Allan Poe, Obra Poética Completa (tradução, introdução e notas de Margarida Vale de Gato; ilustrações de Filipe Abranches), Lisboa, Tinta da China, 2009. ISBN 978-972-8955-93-9.

Entrevista

● Carlos Vaz Marques (selecção e tradução), Entrevistas da Paris Review (2ª edição), Lisboa, Tinta da China, 2010. ISBN 978-989-671-014-9.

Ensaio

● Carlos Mendes de Sousa, Clarice Lispector. Figuras da Escrita, São Paulo, Instituto Moreira Salles, 2011. ISBN 978-85-86707-72-8

● Helena Vasconcelos, Humilhação e Glória, Lisboa, Quetzal Editores, 2012. ISBN 978-972-564-994-7.

Luís Januário, por Robert Walser

No Marktplatz voltei a entrar no café. A turva motivação que me impelira à viagem não se simplificava. Quando Vila-Matas esteve em Herisau foi de Doutor Pasavento e este, embora em vão, fez-se passar por um médico espanhol, um tal Ingravallo. Levava duas daquelas mulheres sem idade nem corpo que de vez em quando aparecem nos seus livros e que, neste caso, o pareciam secretariar. Eu tinha ido com o meu homem exterior, ou com aquele inimigo que julga conhecer-me e que agora, no café alemão, enquanto espero quem prepare um refresco, pergunta baixinho, com um ódio inesperado:

– Terás tu o dom da humildade?

«A humildade em Herisau»: o último avatar do rastro crescente de Walser na literatura contemporânea. Sem mais comentários.

Meditações tempestivas do Sr. Kraus (II)

Pontualidade

Há hábitos que jamais se abandonam. O bom político até à inauguração de um relógio chega atrasado.

Gonçalo M. Tavares, O Senhor Kraus, Lisboa, Caminho, 2005, p. 34.

Guimarães Rosa lido por Clara Rowland

Um livro sobre Guimarães Rosa é sempre um acontecimento. Porque não pode deixar de ser a celebração de uma ideia forte de literatura, de escrita e de livro. Mais ainda se a sua autora for Clara Rowland, professora de literatura brasileira na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e se o livro tiver a chancela de duas das grandes editoras universitárias do Brasil, a editora da Unicamp e a EduspA Forma do Meio, agora mesmo publicado, é um desses casos, pelo que só temos razões para nos alegrarmos com esta edição, tanto mais que ela surge no momento em que o grande livro de Carlos Mendes de Sousa sobre Clarice Lispector é enfim editado no Brasil, o que cria um contexto realmente novo para o estudo da literatura brasileira em Portugal. Como incentivo à leitura do livro de Clara Rowland, eis as palavras que Abel Barros Baptista escreveu para o verso da capa:

A forma do meio é um estudo sobre a obra de Guimarães Rosa que enfrenta em novos termos problemas decisivos e complexos como a relação da forma do livro e do romance com a oralidade e a narrativa tradicional. Isso chegaria a sublinhar a importância deste trabalho notável. Mas há ainda a enorme inteligência da análise de uma questão, a do livro, que, sendo crucial na obra de Rosa, está praticamente ausente na sua fortuna crítica. Não se trata apenas de mais um ensaio sobre Rosa: não só não recusa a tradição de leitura, como nela se integra de modo que obriga a repensá-la radicalmente. É, em suma, um daqueles maravilhosos sobressaltos que fazem o destino da grande literatura.

Meditações tempestivas do Sr. Kraus (I)

Depois das eleições

Depois de qualquer eleição a sensação dos políticos – quer tenham perdido quer tenham ganho – é a de que o povo mais profundo acaba de entrar todo num comboio, dirigindo-se, compactamente, para uma terra distante. Esse povo voltará apenas, no mesmo comboio, nas semanas que antecedem a eleição seguinte.

Esse intervalo temporal é indispensável para que o político tenha tempo para transformar, delicadamente, o ódio ou a indiferença em nova paixão genuína.

Gonçalo M. Tavares, O Senhor Kraus, Lisboa, Caminho, 2005, p. 64.

Antiguidades de hoje (VII)

Epigrama

Uma criança inocente
A um padre «papá» chamava,
E a mãe – do marido ausente –
Com a criança ralhava:

Castiga o marido, um dia,
Do inocente a singeleza,
E brada o padre, que o via:
«Deixe obrar a natureza!»

Faustino Xavier de Novais, Novas Poesias, Porto, Ernesto Chardron, Editor, 1881.

«Mais um dia de vida»: Ryszard Kapuscinski em versão de cinema de animação

A estreia está prevista para o Outono de 2014, mas pela amostra – um breve teaser – promete ser um caso sério. Falamos da adaptação, por Raúl de la Fuente, do romance homónimo do famoso repórter polaco, com acção situada em Angola durante o período de guerra civil, com invasão sul-africana, que coincide com a independência em 1975. Com financiamento repartido por Espanha e Polónia, e recorrendo a imagens de animação mas também a imagens «reais», o filme será previsivelmente um dos acontecimentos de 2014. O teaser, e informação complementar, aqui.

«História Natural», Carlos Drummond de Andrade

Cobras cegas são notívagas.
O orangotango é profundamente solitário.
Macacos também preferem o isolamento.
Certas árvores só frutificam de 25 em 25 anos.
Andorinhas copulam no vôo.
O mundo não é o que pensamos.

Carlos Drummond de Andrade, in Corpo, RJ, Record, 2002, p.33.

Tabu (I)

Em primeiro lugar: o que é a História? Em segundo lugar: o que é o colonialismo? Em terceiro lugar: o que é a memória? E, na aparência, o pressuposto estável (a tartaruga sobre a qual se apoia o elefante) que permite perguntas e talvez respostas: o cinema enquanto coisa revisitável in totto, desde os primórdios até ao nosso reencantamento fetichista, em formato 1:1,33, a preto e branco e com muito grão.

Uma primeira hipótese de resposta poderia ser: a História é o trabalho de dessincronização de imagem e som; o colonialismo é o Monte Tabu; a memória é um crocodilo de olho «vítreo e glauco», como se aprende na retórica da literatura colonial; e o cinema, por fim, uma coisa rotunda como um elefante, apoiada na ilusão de uma carapaça vetusta.

Podemos começar por aqui. Num dos seus últimos livros, Laura Mulvey nota que, ao contrário do que era o foco do seu trabalho nos anos 70, quando via a vanguarda fílmica como o «oponente binário» do cinema de Hollywood – e da forma como este «construía» a estrela feminina como seu espectáculo último –, a situação contemporânea tinha-a feito perceber que «as estéticas do cinema possuem uma coerência maior ao longo do seu corpo histórico face às tecnologias dos novos média e das novas formas de ver filmes que elas geraram» (p. 7). É essa «coerência de ordem superior» que Tabu nos dá a ver, precisamente por a sua ser, de modo muito deliberado, uma situação pós-histórica ou, se se preferir outra terminologia, entre-imagens. Estou a tentar sugerir que Tabu se poderia renomear, em título ou subtítulo, História(s) do Cinema; e que, nesse sentido, o filme é um dos últimos avatares do rastro godardiano no cinema contemporâneo (Murnau seria aqui o nome para um engodo). Porque não se trata apenas de «citações», ainda que elas abundem. Trata-se sim de relançar o discurso da ontologia da imagem fílmica, que podemos indexar a Bazin, aos Cahiers e à Nouvelle Vague, aqui de novo indexada ao Godard da pergunta e resposta de Le petit soldat (1960): «O que é o cinema?» «A verdade 24 vezes por segundo». Este discurso, que faz do cinema uma ilha, ou um bloco isolado na longa duração de um trabalho em torno da opticidade (os brinquedos ópticos como variante da grande tradição dos brinquedos filosóficos), que hoje se prolonga no 3D ou nos videojogos, ressurge no filme de Miguel Gomes, desde logo naquela posição muito hegeliana segundo a qual a verdade de um fenómeno se vê melhor a partir do seu fim.

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«O Kazukuta» (excerto), Ondjaki

Um dia era de tarde e vi o tio Joaquim dar banho ao Kazukuta. Um banho de demorar. Fiquei espantado: o tio Joaquim que ficava até tarde a ler na sala, o tio Joaquim que nos puxava as orelhas, o tio Joaquim silencioso, como é que ele podia ficar meia hora a dar banho ao Kazukuta?

Lembro o Kazukuta a adorar aquele banho, deve ser porque era um banho sincero, deve ser porque o tio punha devagarinho frases ao Kazukuta, e ele depois ia adormecer. Kazukuta: lembro bem os teus olhos doces a brilhar tipo um mar de sonho só porque o tio Joaquim – o tio Joaquim silencioso – veio te dar banho de mangueira e te falou palavras tranquilas num kimbundu assim com cheiros da infância dele.

E demorou. Nós já estávamos quase a parar a nossa brincadeira. Porque afinal a água caía nos pêlos do Kazukuta, e os pêlos ficavam assim coladinhos ao corpo, e virados para baixo como se já fossem muito pesados, e a água acabou, não tinha mais, e mesmo sem fechar a torneira o tio Joaquim, com a mangueira ainda a pingar as últimas gotas dela, e no regresso do Kazukuta à casota, depois daquele abano tipo chuvisco de nós rirmos, o tio Joaquim deu a notícia que tinha demorado aquele tempo todo para falar:

– Meninos, a tia Maria morreu.

Até tive medo, não daquela notícia assim muito séria, mas do que alguém perguntou:

– Mas podemos continuar a brincar só mais um bocadinho?

O tio largou a mangueira, veio nos fazer festinhas.

– Sim, podem.

Vi um sorriso pequenino na boca do tio Joaquim. Às vezes ele aparecia no quintal sem fazer ruído e espreitava a nossa brincadeira sem corrigir nada. Olhava de longe como se fosse uma criança quieta com com inveja de vir brincar connosco.

O tio Joaquim era muito calado e sorria devagrinho como se nunca soubesse nada das horas e das pressas dos outros adultos. O tio Joaquim gostava muito de dar banho ao Kazukuta.

Odnjaki, «O Kazukuta», in Os da minha rua, Lisboa, Leya, BIS, 2010. 3ª ed., pp. 22-23.

Murmúrios da Índia

De Almeida Faria, O Murmúrio do Mundo. Subtítulo A Índia revisitada, com desenhos de Bárbara Assis Pacheco, e prefácio de Eduardo Lourenço, é a mais recente edição da Tinta da China (fevereiro de 2012).

Perante este livro é impossível não lembrar Uma viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário), de Gonçalo M. Tavares, editado há pouco mais de um ano (Outubro de 2011), com o mesmo prefaciador. Ambas viagens literárias, a mesma meta, sobretudo o mesmo mito. Em tudo o mais, diferentes.

O Murmúrio do Mundo regista olhares e reflexões do viajante que em 2006 se deslocou a Goa e a Cochim com uma breve passagem por Mumbai. Fá-lo numa sequência de quatro capítulos, considerando apartadamente Partida, Regresso e os dois destinos.

A curiosidade de um leitor de livros de viagens contemporâneas rapidamente é defraudada por um exercício de elegante preito aos vestígios de um passado português, patrimonial, arquitetónico, histórico, no conteúdo, literário, na forma. Continuar a ler

Notas sobre Luís Quintais (IV)

Não surpreende, pois, que num poeta da imagem e da «ficção suprema» da poesia uma palavra recorrente seja «beleza», palavra rara na actual geração de poetas, na sua maioria possuída por um afã dessublimador, aliás muito epocal e em todas as artes. É possível encontrar poemas e títulos como «[Se desconfias da beleza]» (Lamento, 1999), «A demonstração da beleza» (Duelo, 2004) ou, já no primeiro livro, A Imprecisa Melancolia (1995), «Da dificuldade da beleza». Deste poema, extraio alguns versos significativos:

Penso em Ungaretti nas trincheiras
recordando os seus rios: o Isonzo, o Nilo, etc.
Há uma fuga nesta indiferença.
São nobres os exemplos
e exemplar a responsabilidade do alheamento.

Vejo um campo devastado dentro de mim,
a Torre da Canção erguendo-se sobre as ruínas da tranquilidade
que me cerca.

A beleza é difícil.

A dificuldade de erguer a Torre da Canção que Quintais vai buscar a Leonard Cohen é antes de mais ética ou ético-política – podíamos dizer que é adorniana – e, nesse sentido, atravessa a sua poesia toda. Ungaretti opera por uma espécie de combate terapêutico, recordando os seus rios para se evadir das trincheiras, reivindicando a indiferença e o alheamento ante a barbárie; o sujeito do poema de Quintais parece confrontar-se com uma outra devastação, de tipo interior, que não lhe permite alheamento, e erguer sobre ela a sua precária Torre da Canção, de duvidoso valor terapêutico. A beleza é sem garantia, individual ou social, e, tal como a memória, parece condenada ao desgaste irreversível. Num poema também do seu primeiro livro, «A simetria de uma manhã de Março», o poeta refere uma tela de Harue Koga, pintor japonês, recortada de uma página de uma revista Time, já antiga. E nota:

Perdi a folha bem dobrada no fundo dos bolsos
da memória. Que nada se salve

deste pequeno nada! Que a imagem se esboroe
antes de ser tocada. Só no poema deixo inscrita
a simetria de uma manhã de Março.

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Antiguidades de hoje (VI)

Os Lusíadas

Os Lusíadas estão como na hora!
Três séculos e nada,
Nem uma letra única apagada!
Porque a gente decora,
E nem os vermes comem
Não traçam, não consomem
Uma obra inspirada,
Suma-se o vulto, que a compôs, embora.
Os dons da Divindade
― A beleza, a verdade,
Essa glória de Deus como do homem ―
Raiam e ficam em perene aurora!

João de Deus, Campo de Flores, 1893.

Esferas da existência

Os Diapsalmata dos Papéis de A (1.ª Parte de Ou/Ou Um fragmento de Vida), edição de Victor Eremita, do filósofo Kierkegard, foram editados pela Assírio & Alvim em Abril de 2011. Trata-se de uma tradução direta do dinamarquês levada a cabo por Bárbara Silva, M. Jorge de Carvalho, Nuno Ferro e Sara Carvalhais, também autores das 30 páginas de notas, seguidas de um posfácio de 48 páginas, de M. Jorge de Carvalho e Nuno Ferro. Considerando que os fragmentos ocupam 33 breves páginas, adivinha-se a complexidade da tarefa.

A indicação, em subtítulo, da extensa obra de onde são amputados estes refrães – Ou/Ou, publicada em 1843 –, e do seu autor, A, e editor, Victor Eremita, introduzem o leitor na prolífica ficção autoral do filósofo. Os fragmentos que constituem os Diapsalmata são o primeiro capítulo da obra de extensão wagneriana, após o prefácio do editor. Prolongando o pacto ficcional, Victor Eremita esclarece ter encontrado os papéis em lugar escondido, cabendo-lhe apenas a subsequente tarefa de os ordenar. Neste teatro de personagens em que o autor empírico deliberadamente se oculta, os ensaios/aforismos editados representam um ponto de vista de um eu melancólico e  parcialmente autobiográfico, dado que parte deles provém de escritos pessoais ou cartas de Kierkegaard. Continuar a ler

Dicionário Improvável de Boaventura de Sousa Santos

A

Apropriação

B

Bens comuns da humanidade

C

Cidadania cultural
Civilização biocêntrica
Colonialismo interno
Conhecimento alternativo
Contra-reforma agrária
Contrato social
Cosmopolitismo insurgente
Cosmopolitismo subalterno
Cultura de fronteira

D

Democracia comunitária
Democracia deliberativa
Democracia participativa
Democracia radical
Democracia representativa
Demodiversidade
Desfinanceirização
Desenvolvimento alternativo
Desenvolvimento democrático
Desenvolvimento sustentável
Desigualdade
Desmercadorizar
Diferença
Diferença inferiorizadora
Diferença não inferiorizadora
Direitos colectivos
Direitos da natureza
Direitos humanos coletivos
Direitos interculturais
Direitos radicais

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«Setenta anos» (um excerto), por António Barahona

Que Deus nos dê a fé,
a certeza e o equilíbrio, Amin.
Que Deus nos dê alma pra rezar
cinco vezes por dia, Amin.
Que Deus nos dê força na vêrga, Amin.
Que Deus nos dê uma morte serena
sem mêdo do inferno, nem ânsia do paraíso,
mas apenas com vontade de fechar os olhos
e d’escutar Ya-Sin, Amin.

O Som do Sôpro, Lisboa, Poesia Incompleta, 2011, pp. 45-46.

Corpo e Transcendência

De Anselmo Borges, Corpo e Transcendência, com prefácio de Adriano Moreira uma edição Almedina, de Novembro de 2011. A 1ª edição, de 2003, foi agora ampliada num verdadeiro compêndio de filosofia da religião e de antropologia filosófica onde se avulta a sólida formação teológica e filosófica e o pensamento crítico desassombrado do professor de filosofia, padre, cronista e maître à penser de católicos de risco.

Sem comprometer o essencial da ortodoxia cristã que se respira numa fé sem dogmas, mas consciente dos limites do conhecimento e da perturbação do mistério, Anselmo Borges clama a “urgência de uma filosofia do corpo, pois foi pela redução do homem a pura subjetividade pensante, esquecendo o corpo reduzido a máquina ou prisão da alma, que a própria existência do outro se tornou duvidosa e problemática” (188). Superando conceções dualistas, materialistas e mentalistas, o autor secunda o monismo dinamicista do antropólogo filosófico cristão Pedro Laín Entralgo e olha a matéria humana como enigma-mistério, por aproximação ao cosmos, logo, como algo de dinâmico que se faz (51-53). Continuar a ler

Notas sobre Luís Quintais (III)

É talvez altura de definir Quintais como um poeta da imagem. Os seus poemas quase sempre se estruturam em torno de uma imagem central, de natureza vária mas de uma qualidade de imaginação rara e, muitas vezes, surpreendente. Exemplifico com um poema de Umbria (1999), «Cedros dos Himalaias»:

São vários os conceitos que me movem.
Um gesto abstracto desfila na imaginação:
sobre o azul, os cedros dos Himalaias.

É este o jardim de tarde que procuro.
Um lugar de intensa luz que cegue rotinas,
repetidos esquemas de pensamento.

A mesma luz até à renovada frase.
Transportem-se cedros dos Himalaias
pela imaginação adentro,

e a imensa realidade tornar-se-á
desabitável, desabituável,
repleta de conceitos que nos movam.

Todo o poema deriva dos versos 2 e 3: «Um gesto abstracto desfila na imaginação: / sobre o azul, os cedros dos Himalaias». Face a esta imagem, este «lugar de intensa luz», as rotinas e os esquemas repetidos cegam. Habitada a imaginação pelos «cedros dos Himalaias» a realidade torna-se «desabitável, desabituável». Não é preciso mais para percebermos a lógica de uma poética centrada no poder irradiante da imagem, tal como em Wallace Stevens. Mas gostava de notar o declarado carácter conceptual e abstracto da proposta imagética: «São vários os conceitos que me movem. / Um gesto abstracto desfila na imaginação». No fim do poema, consumada a deflagração da imagem na nossa percepção, o conceito regressa em forma populosa: a realidade torna-se então «repleta de conceitos que nos movam». Não parece haver aqui conflito entre o carácter necessariamente concreto da imagem e o gesto abstracto da sua motivação e composição: os cedros dos Himalaias são a beleza imotivada e plena. Um poema produzido por essa imagem, composto em função dela e para ela, é a poesia como arte sem justificação. Como «ficção suprema», enfim.

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Do etimológico, segundo António Barahona

O poeta é perverso,
isto é etimologicamente:
caminha pelo verso.

Excerto de «Numa esplanada da Rua Garrett», in O Som do Sôpro, Lisboa, Poesia Incompleta, 2011, p. 65.

Notícias do ELAB

Sediado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e dirigido por Abel Barros Baptista, o ELAB (acrónimo de Laboratório de Estudos Literários Avançados) é uma das boas notícias na área das Humanidades em Portugal nos últimos anos. Aproveitamos, por isso, para divulgar o seu site, chamando a atenção para a próxima realização da III edição das Aulas da Primavera, desta vez dedicadas ao tema «Literatura & Imagens».

Informamos ainda que no próximo dia 25 de Maio terá lugar no Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra o I Colóquio do Programa em Materialidades da Literatura, em co-organização com o ELAB. Na sequência de um dos projectos do ELAB, o colóquio versará sobre o tema «Estranhar Pessoa com as Materialidades da Literatura». Em breve daremos mais informações sobre o evento.

Paulo Franchetti, sobre a «Poesia Incompleta»

Lembro-me perfeitamente da livraria Poesia Incompleta, de Lisboa. Lá estive uma única vez. Quando tentei voltar, o proprietário, ao que me disseram encantado com o Rio de Janeiro, prolongara as férias e deixara apenas um recado na porta, anunciando a data improvável do retorno ao trabalho.

Mas quando a visitamos, minha mulher e eu, o navio ainda não encalhara. Ia em boa toada, aparentemente.

Sentamo-nos num sofá muito baixo, que nos deixava a impressão de olhar justo por cima dos joelhos, meio à direita da cadeira do proprietário. Changuito se chamava ele ali, no desempenho brilhante da difícil arte de conciliar ar blasé e receptividade calorosa.

À sua frente, como se até ali se estendesse o palco, destacado de nós, a plateia que os mirava de rasante por sobre as rótulas, sentavam-se alguns poetas, em constante entra e sai. Não guardei os nomes, mas lembro-me de que pareciam de fato poetas: algo enigmáticos, falando quase por cifras de outros poetas. Mal, evidentemente, mas não tanto. Um deles, permaneceu todo o tempo exercitando a arte do silêncio significativo. Meditava ou apenas se esforçava por não se interessar pelos demais. Havia outro, mais torturado, mas que ficou pouco tempo.

Como não lhes conhecia a obra, era um espectador isento, interessado sobretudo naquela espécie de teatro Nô, em que as hierarquias e emoções se indiciavam por um piscar de olhos ou um mover de dedo mínimo.

Já o Changuito nada tinha de mistério e por isso aquecia a sala, com o seu cobertor sobre as pernas, funcionando como contraponto ou contracanto ao silêncio misterioso dos que, por vezes, se erguiam e percorriam distraidamente as estantes.

A alma do lugar se posicionava numa parte que um computador e um telefone mostravam ser o escritório e dali irradiava a energia que parecia a ponto de exaurir-se na não conversa dos alinhados do outro lado.

O resto, como se imagina, eram estantes, apinhadas, extravasando. Banheiro, chão, banquinhos: em tudo se derramava a profusão de folhas encadernadas, capas e formas coloridas. Em vários estágios de organização ou desorganização, nelas havia, para o bom procurador, inimagináveis coisas. Changuito as conhecia bastante bem, como seria de esperar. Mas não totalmente, de modo que restava sempre, ao curioso, alguma surpresa a compartilhar com ele.

Mais biblioteca, talvez, que livraria. Mais palco e lugar de encontro e celebração, porventura, do que biblioteca.

Leio agora a notícia de que fechará as portas. Suspeito que Changuito terminará por se estabelecer no Brasil. Tomara que aqui consiga espaço, tempo e livros para montar uma nova casa de poesia.

Enquanto não o faz, minha impressão é que alguma coisa importante e única está ausente. Só uma vez, como disse, lá estive. Mas era bom, dava uma boa sensação saber que um dia, se calhasse, poderia fazer-lhe outra visita.

Um acontecimento: «Notícias da Antiguidade Ideológica», nas Sessões do Carvão


A história é conhecida e integra uma História Alternativa do Cinema: a dos grandes projectos irrealizados. Por 1927, Sergei Eisenstein concebeu o projecto de filmar O Capital, de Marx, a partir da estrutura do Ulisses de Joyce. Nunca levado a cabo, o projecto viria enfim a ser realizado, em 2008, por Alexander Kluge, dando origem a uma obra de 9 horas e meia, com uma estrutura caleidoscópica que tanto recorda o Ulisses como o Livro das Passagens ou o Livro do Desassossego.

A obra será projectada, na íntegra, com entrada livre, no edifício da Casa das Caldeiras, da Universidade de Coimbra, em três sessões, a partir do próximo dia 11 de Abril. Nesse mesmo dia, antecedendo a «maratona» marxiana, projectar-se-á Filme Socialismo, de Jean-Luc Godard. Como aperitivo, propomos a apresentação que o grande escritor argentino Alan Pauls faz do filme, numa sessão de paixão cineclubística (e marxista) em Buenos Aires.

Sessão 4 de «Páginas Tantas»: Boaventura de Sousa Santos

Como anunciámos neste blog, terá hoje lugar pelas 18h 30m, no Teatro Académico de Gil Vicente, a quarta sessão do Páginas Tantas, iniciativa conjunta do TAGV e do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra. Será nosso convidado Boaventura de Sousa Santos. O painel será constituído por Ana Maria Machado e Osvaldo Manuel Silvestre.

Cientista social de renome internacional, figura cimeira da teoria crítica contemporânea, fundador e director do Centro de Estudos Sociais, Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, autor de vasta obra publicada em várias línguas e países, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, intelectual público com uma intervenção cívica já longa, Boaventura de Sousa Santos é uma daquelas pessoas de quem se pode dizer, com toda a propriedade, que dispensa apresentações.

Informamos que, a par da sessão do Páginas Tantas, o TAGV terá a partir de hoje uma pequena exposição dedicada ao nosso convidado.

Livros a apresentar na sessão 4 de «Páginas Tantas»

Ensaio

• Anselmo Borges, Corpo e Transcendência, Coimbra, Edições Almedina, 2011. ISBN 9789724046501

• Rousseau, O Contrato Social (Manuscrito de Genebra), Introdução e notas de João Lopes Alves, Lisboa, Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2012. ISBN978-989-644-178-4

• Soren Kierkegaard, Diapsalmata, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011. ISBN 978-972-37-1516-3

• Sousa Dias, Grandeza de Marx. Por uma Política do Impossível, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011. ISBN 978-972-37-1612-2

Literatura de Viagens

•Almeida Faria, O Murmúrio do Mundo, ilustração de Bárbara Assis Pacheco, Lisboa, Tinta da China, 2012. ISBN 9789896711115

Poesia

Estilhaços e Cesariny, Textos e Poemas de Adolfo Luxúria Canibal e Mário Cesariny ditos por Adolfo Luxúria Canibal, Lisboa e Vila Nova de Famalicão, Assírio & Alvim / Sons e Fundação Cupertino de Miranda, 2011. ISBN 978-972-37-1618-4

Antiguidades de hoje (V)

Num álbum

O poeta é um ente sempre enfermo,
Nas algibeiras nunca tem dinheiro,
Sustenta-se do ar como o pinheiro,
E assim como o pinheiro habita o ermo.

João de Deus, Campo de Flores,  1893.