Literatura, arte e mercado

O mapa e o território, do controverso Michel Houellebecq, foi publicado pela Editora Objectiva (Alfaguara), no final de 2011, numa tradução de Pedro Tamen.

O prémio Goncourt que lhe foi atribuído foi só mais um episódio da tumultuosa receção de um autor que surpreende fiéis e detratores com um romance que se afasta da agressividade provocadora de Partículas elementares e de Plataforma, para oferecer uma obra em que melancolia, humor, ironia e derisão se combinam no retrato do meio artístico-literário da França do século XXI.

Jed Martin, um artista plástico, notabiliza-se pelas fotografias dos mapas Michelin, derivando posteriormente para a pintura figurativa de profissionais famosos, entre os quais o próprio Houllebecq a quem pede um texto para o catálogo da exposição de retratos. Neste processo de auto-ficção intensificam-se os traços comuns entre as duas personagens e Jed Martin surge como um alter-ego do autor, partilhando com ele autismo, misantropia, solidão.

Mas a migração das figuras reais não se circunscreve à representação do escritor: artistas, críticos, jornalistas do milieu (Jean-Pierre Pernaut, Pierre Bellemare, Patrick Le Lay, Michel Drucker, Frédéric Beigbeder, Julien Lepers, Alain Gilot-Pétré, Claire Chaza) dão corpo à visão sociológica da arte no tempo presente, à sua relação com o mercado dominado por chineses e russos, Abramovich incluído,  e com o “segmento de população estúpida-rica cuja freguesia” se demanda. Neste plano cumpre ainda referir o exercício da ekfrasis em que se exercita tanto o narrador quanto Houllebecq-personagem, a propósito, por exemplo do quadro da série profissões em que contracenam Bill Gates e Steve Jobs, e a discussão sobre os limites da  representação de seres humanos ou de “objectos de fabricação humana” na arte e na literatura.

Em  O mapa e o território, o houellebecquismo hard também cede lugar a um crescendo de contida afetividade presente na abordagem da relação entre Jed Martin com o pai, que se retira para um clínica suíça onde discretamente se entrega à morte assistida. Menos conseguida parece-me ser a incursão no romance policial, à la Simenon, na terceira parte do livro que surpreende o leitor com o massacre de Houllebecq, em registo de body art, e com a subsequente investigação das suas causas, naturalmente ligadas ao roubo de quadros.

Do ponto de vista da receção, O mapa e o território parece acolher sugestões do discurso e da intriga ao mesmo tempo que faz jus à opinião do galerista: “na literatura, na música, é claramente impossível mudar de direcção, é-se logo linchado” (141). De facto, a opção conciliadora que Houellebecq oferece vê-se a braços com duas acusações de plágio (uma em relação à Wikipédia  – v. Agradecimentos –, outra por causa de um romance homónimo, publicado em 1999, por um Michel Levy), uma tentativa de identificação do protagonista com o pintor e ex-amigo Pierre Lamalattie e um pastiche assinado por Michel Ouellebeurre, intitulado La Tarte et le Suppositoire (v. p. 150). Maior propaganda dispensa-se.

Michel Houellebecq, O mapa e o território, tradução de Pedro Tamen, Carnaxide, Editora Objectiva (Alfaguara), 2911. ISBN 978-989-672-103-9

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