Frei Fernando Ventura e Joaquim Franco assinam o diálogo Do eu solitário ao nós solidário que se anuncia uma conversa sobre “Deus, o Homem e o Mundo”, publicada pela Verso de Kapa, em Outubro de 2011.
Um leigo, jornalista, faz perguntas e um franciscano capuchinho responde. “Sem rede ou preconceitos” face a uma ortodoxia, ou a uma tradição, que em vários momentos se derroga tanto nas revisões teológicas, por exemplo, do conceito de pecado original, como no apelo à urgência da “revolução revolucionária dos não violentos” (17) para vencer os Cains que continuam a matar os Abéis. Estas duas figuras são, de resto, uma das pedras de toque do livro que associa o episódio veterotestamentário com o pecado social do querer ser deus, a sede devastadora de poder pelo poder, representada por Caim, e com a consequente descriação do mundo ilustrada pelo poema do teólogo protestante alemão Jörg Zink (73).
Neste rasto de destruição, a Europa surge num processo de fagocitose, deglutindo o seu património religioso judaico-cristão e islâmico (78), e laicistamente fazendo tábua rasa das religiões, à revelia do convívio com outras verdades sustentado por Hans Kung ou Ratzinger (85). Ora este diálogo faz-se com uma memória – outra ideia cara a Fr. Ventura – que carece justamente de aprendizagem com a História. Em tempos de grande branqueamento do passado, quando não de amnésia, recorda-se que “A força de um povo não está nas suas armas nem no seu número, mas na capacidade de viver a memória na História, na capacidade de cada um se sentir ponto de chegada de todas as experiências de vida e de fé que o precederam e, ao mesmo tempo, ponto de partida de novas formas de vida e de novas experiência de fé” (21) – Fé à parte, o postulado parece não oferecer reservas. Never knows.
Bem ao jeito da ars praedicandi, como modelo apontam-se os discípulos e o caminho de Emaús, expressão do regresso da “periferia do desespero” à “centralidade da esperança”; este é o lugar da religião num “compromisso de luta pela dignidade de ser pessoa”, mas também de ateus e de agnósticos, animados por ideais de serviço e de doação, com gestos de “ser gente com gente” (154), caminhando do solitário para o solidário.
Frei Fernando Ventura e Joaquim Franco, Do eu solitário ao nós solidário, Lisboa, Verso de Kapa, 2011. ISBN 978-989-8406-20-0