Em memória de Safo

Do autor de A casa do pó, Fernando Campos, e da mesma editora Objetiva, chancela Alfaguara, saiu, no final de 2011, A rocha branca, cujo título evoca o lugar do suicídio por amor de Safo de Mitilene, famosa poetisa  da Antiguidade (sécs.VII-VI a.C.).

A mesma busca do rigor possível, de fidelidade ao estilo da época, ou, aqui, ao estilo a que as traduções portuguesas do grego nos habituaram, a mesma atração pela história que se oferece à ficção “fundamentada” (14).

Romancear Safo exige articulações várias entre o conhecimento da Antiguidade e dos seus autores,  os silêncios da história pessoal e o estado fragmentário da sua poesia, mas Fernando Campos é cauteloso e probo, como atesta o prefácio com que brinda os ignaros leitores não versados em matérias antigas. Em diálogos vivos e impressivos, enternece-se no desenho de Safo, poetisa, mestra educadora, mulher, mãe e amante, e retrata-a em toda a sua elegância, beleza, sensibilidade, cultura e integridade irradiadoras, percorrendo com devoção serena, num ritmo por vezes demasiado arrastado, as várias fases da sua vida.

A delicadeza da narrativa feminina, que lemos na primeira pessoa do presente (também usada por Tísias, no prólogo, e pelo poeta Alceu, no epílogo), na esteira da poesia de Safo e da novidade que representou, descarta com discrição as associações homo-eróticas a que o seu nome está associado. O tom amoroso e as destinatárias dos poemas que inclui no romance integram-se na relação de intensa comunhão e afeto entre Safo e as discípulas que os pais deixavam a seu cargo. Não dariam sequer lugar a especulações, não fora o episódio em que a própria Safo acusa os detratores de maledicentes e grosseiros.

A descrição do modo como se entrega ao amor do marido e da paixão incandescente que a une a Fáon, o velho que os sortilégios de Afrodita  transformaram no jovem de beleza singular, dispensariam outros pudores. Fernando Campos opta assim por recuperar a paixão de Safo por Fáon a que o século XVIII tanta importância dera.

Mais do que na entrega febril dos corpos, é na resistência à paixão do velho-novo Faón que o escritor alcança maior vigor dramático, revelando toda a extensão do tormento de Safo e a consciência do abismo entre uma carcaça  de cinquenta anos e a alma jovem e disponível para amar aprisionada numa carne velha. Com a mesma discrição do condenado de Houellebecq, mas com outra conveniência, entrega-se à morte longe da curiosidade do leitor que apenas a confirma no epílogo assinado pelo poeta Alceu.

Fernando Campos, A rocha branca. Carnaxide, Editora Objectiva (Alfaguara), 2011. ISBN 978-989-672-111-4

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