*Com uma vénia ao Libération.
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*Com uma vénia ao Libération.
A estreia está prevista para o Outono de 2014, mas pela amostra – um breve teaser – promete ser um caso sério. Falamos da adaptação, por Raúl de la Fuente, do romance homónimo do famoso repórter polaco, com acção situada em Angola durante o período de guerra civil, com invasão sul-africana, que coincide com a independência em 1975. Com financiamento repartido por Espanha e Polónia, e recorrendo a imagens de animação mas também a imagens «reais», o filme será previsivelmente um dos acontecimentos de 2014. O teaser, e informação complementar, aqui.
Em primeiro lugar: o que é a História? Em segundo lugar: o que é o colonialismo? Em terceiro lugar: o que é a memória? E, na aparência, o pressuposto estável (a tartaruga sobre a qual se apoia o elefante) que permite perguntas e talvez respostas: o cinema enquanto coisa revisitável in totto, desde os primórdios até ao nosso reencantamento fetichista, em formato 1:1,33, a preto e branco e com muito grão.
Uma primeira hipótese de resposta poderia ser: a História é o trabalho de dessincronização de imagem e som; o colonialismo é o Monte Tabu; a memória é um crocodilo de olho «vítreo e glauco», como se aprende na retórica da literatura colonial; e o cinema, por fim, uma coisa rotunda como um elefante, apoiada na ilusão de uma carapaça vetusta.
Podemos começar por aqui. Num dos seus últimos livros, Laura Mulvey nota que, ao contrário do que era o foco do seu trabalho nos anos 70, quando via a vanguarda fílmica como o «oponente binário» do cinema de Hollywood – e da forma como este «construía» a estrela feminina como seu espectáculo último –, a situação contemporânea tinha-a feito perceber que «as estéticas do cinema possuem uma coerência maior ao longo do seu corpo histórico face às tecnologias dos novos média e das novas formas de ver filmes que elas geraram» (p. 7). É essa «coerência de ordem superior» que Tabu nos dá a ver, precisamente por a sua ser, de modo muito deliberado, uma situação pós-histórica ou, se se preferir outra terminologia, entre-imagens. Estou a tentar sugerir que Tabu se poderia renomear, em título ou subtítulo, História(s) do Cinema; e que, nesse sentido, o filme é um dos últimos avatares do rastro godardiano no cinema contemporâneo (Murnau seria aqui o nome para um engodo). Porque não se trata apenas de «citações», ainda que elas abundem. Trata-se sim de relançar o discurso da ontologia da imagem fílmica, que podemos indexar a Bazin, aos Cahiers e à Nouvelle Vague, aqui de novo indexada ao Godard da pergunta e resposta de Le petit soldat (1960): «O que é o cinema?» «A verdade 24 vezes por segundo». Este discurso, que faz do cinema uma ilha, ou um bloco isolado na longa duração de um trabalho em torno da opticidade (os brinquedos ópticos como variante da grande tradição dos brinquedos filosóficos), que hoje se prolonga no 3D ou nos videojogos, ressurge no filme de Miguel Gomes, desde logo naquela posição muito hegeliana segundo a qual a verdade de um fenómeno se vê melhor a partir do seu fim.
A obra será projectada, na íntegra, com entrada livre, no edifício da Casa das Caldeiras, da Universidade de Coimbra, em três sessões, a partir do próximo dia 11 de Abril. Nesse mesmo dia, antecedendo a «maratona» marxiana, projectar-se-á Filme Socialismo, de Jean-Luc Godard. Como aperitivo, propomos a apresentação que o grande escritor argentino Alan Pauls faz do filme, numa sessão de paixão cineclubística (e marxista) em Buenos Aires.
Recordamos que na próxima segunda-feira, pelas 18.30 h, João Botelho será o convidado da sessão 3 do «Páginas Tantas».
Um das capas de João Botelho, aliás João B., para as edições A Regra do Jogo, corria o ano de 1976. Este livro e muitos outros, d’A Regra do Jogo, da Afrontamento, da Centelha, dos Livros Cotovia ou da Cinemateca Portuguesa, serão objecto da exposição que, no TAGV, acompanhará a sessão do «Páginas Tantas» com João Botelho, no próximo dia 12 de Março.
A nossa homenagem ao actor de Bergman.
Como se pode ler em post anterior neste blog, a sessão do Páginas Tantas com João Botelho estava agendada para 5 de Março.
Informamos que por razões que se prendem com compromissos de rodagem do próximo projecto do cineasta, a sessão teve de ser transferida para a segunda-feira seguinte, 12 de Março, pela mesma hora. Em breve informaremos sobre o programa das festas no TAGV em torno da obra de João Botelho.
Eu não sou da geração que nasceu com o cinema, mas quase. Nasci em 1923, num momento em que o cinema já tinha uma expressão muito importante (que era ainda o cinema mudo) e mesmo na aldeia quase incógnita onde eu nasci, vi pela primeira vez o cinema, teria talvez sete anos. É claro que as primeiras coisas que se veem deste género são uma espécie de revelação opaca. Eu não sabia bem o que estava a ver. Estava numa espécie de adega do senhor mais importante da minha terra. Tinham estendido um lençol no fundo da parede e de uma cabine manhosa, atrás do espectador, saía uma espécie de foco que projetava nesse lençol umas imagens que contavam, nada mais, nada menos, que a vida de Cristo. Mas a projeção devia ser de tal natureza – a não ser que fosse do próprio tecido do lençol – que eu só via riscos que atravessavam o personagem e atravessavam os diversos personagens da gesta evangélica. Então, eu tirei dali a conclusão de que durante toda a vida de Cristo tinha chovido sempre. Este foi o meu primeiro contacto com esse mundo, que mais tarde se tornaria o mundo mágico, realmente mágico, do cinema.
Eduardo Lourenço, «Imagens da América», in Asas sobre a América / Wings over America. Um Encontro Transatlântico entre Irmãos em Universo, Coorenação de Filipa Melo, Coimbra, Almedina, 2011, p. 19.