Tomás Martins, director da Ateliê Editorial: «A onda do livro digital irá impactar o mercado do livro, mas a forma com que se dará esse impacto é difícil saber»

Com pouco mais de década e meia de vida, a Ateliê Editorial, com sede em S. Paulo, conseguiu uma sólida reputação de editora de catálogo exigente e de factura (e manufactura) cuidada e, não raro, memorável. Muitos são os livros da Ateliê que se tornam «clássicos» instantâneos mal saem das tipografias, tal a sua singularidade de objectos cartonados, a que se acrescenta a grande exigência na selecção de textos e tradutores ou nos trabalhos de composição e revisão de texto. Por todas essas obras, refira-se a emblemática edição do Finnegans Wake, de James Joyce, em cinco volumes traduzidos por Donaldo Schüler sob o título Finnicius Revém, edição ampla e justamente premiada no Brasil e pedra de toque do catálogo da editora fundada por Plinio Martins Filho. Editora centrada nas áreas da literatura, da comunicação, das artes, da arquitectura e das artes do livro, a Ateliê Editorial é uma das editoras mais premiadas do Brasil, o que, se atendermos à sua dimensão – uma dimensão média no mundo editorial brasileiro -, é algo bem revelador da qualidade do seu trabalho e do grau de reconhecimento interpares que sempre suscitou.

Por se tratar de uma editora cujo trabalho comporta toda uma pedagogia implícita do livro e do seu papel numa sociedade esclarecida, achámos que, na sequência das entrevistas que vimos fazendo a vários agentes do mundo do livro, urgia ouvir o responsável actual pela editora, Tomás Martins. Agradecemos a sua colaboração e a disponibilidade prontamente revelada.

TP. Pode descrever-nos o seu percurso profissional? Sempre sonhou ser editor?

TM. Meu percurso profissional foi bastante natural, na verdade. Sendo filho de Plinio Martins, desde novo comecei a me envolver com os trabalhos da editora: aprender a diagramar um livro, fazer capas emendar, revisar textos… Dessa forma, pode-se dizer que cresci dentro do mundo editorial e quando chegou o momento de começar a trabalhar já estava “encaminhado”. Mesmo tendo me formado em arquitetura, sempre trabalhei com design gráfico ou edição de livros.

Continuar a ler

Advertisement

Luís Miguel Queirós: «Não seria preferível recomendar um romance extraordinário de há 50 ou 150 anos, do que um livro assim-assim de um ficcionista hoje em voga?»

Luís Miguel Queirós nasceu no Porto, em 1962. Licenciou-se em Relações Internacionais, competência que praticamente não exerceu, e trabalhou depois algum tempo como escriturário numa fábrica de sapatos. Finda essa experiência, iniciou-se nas lides jornalísticas, no desaparecido O Comércio do Porto. Esteve ainda um ano noutro clássico da imprensa portuense, O Primeiro de Janeiro, do qual transitou para o Público, no final de 1989. Embora, enquanto jornalista da secção cultural, escreva necessariamente sobre áreas variadas, a sua atenção principal esteve sempre focada na literatura e, em particular, na poesia. O seu conhecimento exaustivo do corpus da poesia portuguesa, com especial competência na do último século e meio, esteve bem patente sempre que teve de resenhar para o Público as grandes antologias da poesia portuguesa publicadas desde 1989. Leitor doublé de coleccionador, a sua biblioteca de poesia portuguesa do século XX ganhou proporções discrepantes, antes de, como confessa em seguida, se ter decidido a tomar medidas profilácticas no sentido do seu emagrecimento. Tudo isto faz de Luís Miguel Queirós um candidato natural a antologiador da poesia portuguesa, prática a que aliás já se entregou, embora lamentavelmente em regime parcelar ou temático.

Na sequência das entrevistas que vimos fazendo a agentes do mundo do livro, Luís Miguel Queirós surgiu como uma escolha óbvia, no momento de passarmos ao mundo da imprensa e da crítica nela exercida. Agradecemos-lhe a disponibilidade, bem patenteada na franqueza e extensão da conversa.

TP. Como te defines? Jornalista cultural ou crítico literário?

LMQ. Se me ocorresse definir-me, julgo que não recorreria a nenhuma destas expressões. Leitor seria a aposta mais óbvia. Coleccionador de bonequinhos dos gelados Olá, Rajá e Neveiros (e de nenhuns outros) ou fazedor de listas (quaisquer listas) seriam outras possibilidades. São características compulsivas. Pelo contrário, não me exigiria o menor esforço não escrever para jornais, sobretudo se me pagassem para (não) o fazer.

 

Esperando que, nos tempos que correm, isto não forneça motivo para despedimento com justa causa, confesso que vejo o jornalismo como algo que faço – e que consumo bastante mais do que faço –, e não como algo que me constitua ou defina.

Continuar a ler

Não se diz, Manuel António…

O dinheiro do Prémio Camões não o dava a ninguém, mas o prémio partilhava-o com toda a gente, com quem quiser. Entrego já a glória daquela merda.

Manuel António Pina em entrevista a Nuno Ramos de Almeida, no i.

A vida material, segundo Marguerite Yourcenar

Matthieu Galey ― Como é que você vivia? Não tinha preocupações materiais?

Marguerite Yourcenar ― Não, nenhumas. Contei tudo isso em Arquivos do Norte. Era um capítulo um pouco embaraçoso, é sempre embaraçoso falar de dinheiro. O meu pai não me tinha deixado nada. Devo explicar que a fortuna legada pela minha mãe tinha sido mal gerida, não pelo meu pai mas por outros. Por isso, com aquilo que me restava, pensei simplesmente: gastemos. Depois há-de se ver. A questão material não se colocava. Gastava livremente, às vezes tinha mais dinheiro, outras vezes menos. E felicito-me por isso. Considero que foi uma sorte ter tido essa liberdade absoluta durante uns tempos. Podia ter corrido mal, se durasse muito mais tempo, porque se torna uma facilidade, mas, como a guerra a interrompeu, foi bom, foi uma experiência que ficou feita, de uma vez por todas.

É um privilégio, mas que se pode obter sem grandes fortunas. Vejo-o frequentemente no seio do que chamamos o povo. Querer assegurar o futuro é um ponto de vista burguês. Na verdade, não asseguramos absolutamente nada, não fazemos ideia do que será o futuro. Vi há pouco tempo o caso de uma família modesta, que corria o risco de perder tudo por causa de uma série de hipotecas e de dívidas, cujos juros não podia pagar. Bom, fiquei impressionada ao ver até que ponto aquele homem e aquela mulher, o pai e a mãe, estavam dispostos a fazer o que quer que fosse, dizendo: «Torno-me empregada de um restaurante; vou trabalhar como jardineiro, ou como pintor da construção, se não conseguir ser jardineiro. E, se não pudermos ficar aqui, vamos para outro lado.» É uma forma de liberdade. Admirava-os, eram livres.

Continuar a ler

André Tavares, da Dafne Editora: «Seremos sempre uma ‘editora de vão de escada’, da nossa escada que é uma escada desenhada por arquitectos»

Com aparição pública datada de 2004, a Dafne Editora é o exemplo de como a opção por uma área de especialização – a arquitectura – pode funcionar como imagem de marca e alavanca de um projecto editorial exigente e em desenvolvimento sustentável. De facto, sem nunca abandonar a sua área de referência (o site apresenta, por baixo do nome da editora, a indicação «Livros de Arquitectura»), a Dafne vem constituindo um catálogo relevante, sabendo alargá-lo para áreas limítrofes – o urbanismo, o design, a museologia, a estética – sem nunca perder o pé ou se lançar em expansões suicidas, num momento em que o mercado se alimenta de produtos «hiper-rotativos» e, por isso, de uma desoladora banalidade. Resistindo às solicitações do fácil e do estridente, a Dafne pratica ainda uma linha gráfica cuja sobriedade, na qual se pode talvez ler o legado da «Escola do Porto», tem um valor que no contexto actual é não só pedagógico como, convenhamos, terapêutico.

Razões mais do que convincentes para, na sequência das entrevistas que vimos fazendo a agentes do mundo do livro, ouvirmos André Tavares, o responsável principal pela editora. Agradecemos a sua disponibilidade.

TP. A Dafne define-se como «editora de arquitectura» mas a verdade é que o seu catálogo se tem vindo a alargar para a Museologia e Estética. Pode definir o projecto editorial da Dafne? Qual é de facto o vosso público-alvo?

AT. Nós não temos como objectivo atingir ninguém, nem imaginamos o leitor como um alvo a abater. Começámos com uma colecção de História da Arquitectura e fomos entendendo que era fundamental abrir o leque de temas para que os livros pudessem chegar a mais leitores. O nosso primeiro livro da colecção Equações foi um texto de artes plásticas, do António Olaio sobre o Marcel Duchamp. Naquela altura escrevemos que queríamos encontrar relações entre a arquitectura e universos paralelos, relações que são constantes e intermináveis. Mas naturalmente acabámos por nos centrar naquilo que sabemos e conhecemos melhor, que são os assuntos da arquitectura.

O ‘livro dos museus’ do João Brigola ou a colecção Imago foram oportunidades que apareceram ao longo do caminho e que nos pareceram muito oportunas, quer pelas condições que tínhamos para editar, no caso de uma parceria com o CHAIA da Universidade de Évora, ou pela hipótese de fazer chegar os livros da Dafne a um público que em geral é completamente surdo em matérias que fujam do mainstream. Creio que ambas as edições correram bem, e esperamos que haja outras hipóteses para acompanhar os nossos livros de arquitectura com outros livros que partilhem afinidades com eles.

Continuar a ler

A infância, segundo Marguerite Yourcenar

Matthieu Galey ― Há, contudo, um elemento particular na sua infância: foi uma infância sem mãe. Essa falta pesou-lhe?

Marguerite Yourcenar ― Nem um pouco. Nunca, durante a minha infância, me foi mostrado um retrato da minha mãe. Só o vi quando tinha talvez uns trinta e cinco anos. Fui visitar a sua campa pela primeira vez quando já tinha uns cinquenta e cinco. Devo dizer que o meu pai estava sempre rodeado de mulheres. Portanto, devia haver muita gente para me fazer golas de bordado ingês ou para me oferecer bombons.

MG ― É, no entanto, a infância de uma menina solitária.

MY ― Até certo ponto. Ou era-o de forma intermitente, umas vezes solitária, outras rodeada de outras crianças, de pessoas na casa de quem o meu pai passava algumas temporadas. Mas solitária por momentos, apesar de tudo, sim, e penso que o hábito precoce da solidão é um bem infinito. Ensina-nos, apenas em parte, a não precisar das pessoas. Ensina-nos também a amar mais os seres. Além disso, há um fundo de indiferença na criança que muito raramente é descrito. Não sei se as pessoas se sentem embaraçadas com o sentimento dessa indiferença, mas fico impressionada quando observo as crianças: vivem num mundo muito próprio. Tenho a sensação de que vivia, também eu, no meu mundo. Creio que os escritores, na sua maioria, mesmo os «sérios», que falam da infância, se enganam sempre. Vêem a criança do seu ponto de vista de adultos, ou fazem um esforço enorme para se colocar no lugar do que imaginam ser uma criança. Tudo isto é demasiado sistemático, está demasiado próximo das nossas próprias convenções. Julgo que a criança se orienta na vida de forma muito vaga, com a surpresa do animal jovem que vê ou encontra qualquer coisa pela primeira vez. As pessoas grande que a rodeiam, cuja identidade nem sempre é muito clara – uma dizem-lhe ser, ao que parece, o pai, que se chama «papá» (mas o que é para ela um pai?), outra a mãe, e a terceira a criada, a cozinheira ou o carteiro – são todas «pessoas grandes», que têm uma certa importância mas, ao mesmo tempo, não estão muito ligadas à criança nem à sua vida própria, aliás impenetrável para aquelas pessoas. Ninguém quer ver essas relações. Pretende-se que as crianças detestem os pais ou que os adorem. Na verdade, em nenhuma época eu «adorei» o meu pai, e parece-me que só bem tarde é que o amei verdadeiramente.

Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos. Conversas com Matthieu Galey, Lisboa, Relógio d’Água, 2011, pp. 23-24.

Oficina do Cego: «Vivemos como as vacas no campo, ruminando cuidadosamente os nossos projectos, pouco preocupados com os ontens e os amanhãs patrimoniais»

Fundada em Lisboa, em 2009, a Oficina do Cego, «associação sem fins lucrativos que desenvolve trabalho no domínio das artes gráficas», afirmou-se rapidamente como um colectivo empenhado na prática e na pedagogia da impressão e auto-edição. Combinando técnicas de hoje com técnicas de ontem, recuperando artes gráficas que o progresso e o fetichismo das tecnologias de impressão deitaram supostamente para o caixote do lixo da História e cruzando-as com sensibilidades gráficas muito diversas, a Oficina do Cego ofereceu um modelo de relação com a História, o património, a criação e o mercado no qual não custa ver uma lição alternativa ao actual pensamento único (bem patente no facto de o colectivo se ter recusado a individualizar os seus membros nesta entrevista). Em todo o caso, trate-se de técnicas d’antanho ou de hoje, a Oficina do Cego é uma aula viva do culto da materialidade dos suportes tipográficos tradicionais – papéis, cartolinas – e da sensorialidade das inscrições que neles a criatividade gráfica produz. De fanzines a jornais, cartazes, flyers ou livros, a civilização do impresso mostra, mais uma vez, a vitalidade das suas formas e o potencial do seu legado, nesta Oficina de gente que vê bem ao longe.

Uma vez que este blog decidiu ouvir um número alargado de agentes do livro, em Portugal e no estrangeiro, pareceu-nos que a Oficina do Cego deveria ter uma palavra a dizer. Não apenas pelo seu trabalho no domínio do livro, escasso mas precioso, mas pelo que este colectivo representa neste momento nas artes gráficas em Portugal. Resta-nos agradecer a todos os membros do colectivo o empenho colocado nas respostas que nos enviaram.

TP. Podem descrever a Oficina do Cego? O que é, quantas pessoas congrega, quais os seus objectivos?

OC. A Oficina do Cego é uma associação sem fins lucrativos, formada no final de 2009. No princípio éramos quase uma dúzia, ligados à ilustração, à edição de fanzines, à impressão, à poesia, ao design gráfico, à escrita sobre ilustração e banda desenhada.

Actualmente, a associação tem quarenta e sete associados.

Quando fixámos os nossos objectivos adaptámos, com bastante liberdade e fantasia, as linhas de um regulamento encontrado, por acaso, na internet (o regulamento da Associação Ateísta Portuguesa). Trocámos “ateísmo” por ”grafismo” e ficámos com a primeira tábua: A divulgação do grafismo como mundividência estética, filosófica e socialmente válida. Daí decorrem as seguintes, um tanto mais prosaicas: A produção de documentos gráficos, de abordagens autorais e artísticas multi-disciplinares e com múltiplas abordagens no domínio das técnicas de impressão e da edição de pequena tiragem; A formação teórica e técnica dos associados e outros em projectos inseridos nas actividades da associação; O intercâmbio com entidades e pessoas afins… Etc.

Continuar a ler

Paulo Franchetti, director da editora da Unicamp: «O acordo ortográfico é um aleijão»

Paulo Franchetti é crítico literário, escritor e professor titular do Departamento de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Publicou, no Brasil, entre outros livros, os ensaios Alguns aspectos da teoria da poesia concreta (1989), Nostalgia, exílio e melancolia – leituras de Camilo Pessanha (2001), Estudos de literatura brasileira e portuguesa (2007), e organizou o volume Haikai – antologia e história (1990). Preparou edições comentadas de Coração, Cabeça e Estômago (2003) e, para a Ateliê Editorial, O Primo Basílio (1998), Iracema (2007), A cidade e as serras (2007), Dom Casmurro (2008), Clepsidra (2009) e O cortiço (2012, no prelo). Publicou ainda, em Portugal, a edição crítica da Clepsydra, de Camilo Pessanha (1995); a antologia As aves que aqui gorjeiam – a poesia do Romantismo ao Simbolismo (2005) e o ensaio O essencial sobre Camilo Pessanha (2008). É também autor da novela O sangue dos dias transparentes (2003), da coletânea de haicais Oeste/Nishi (2008), do livro de sátiras Escarnho (2009) e do livro de poemas Memória futura (2010).

Desde 2002, dirige a Editora da Unicamp, tendo neste período conseguido 6 prémios Jabuti e colocado, no ranking de 2010, a Unicamp no 5º lugar das melhores editoras do Brasil, apenas com a Editora da UFMG melhor colocada, em 4º, de entre as editoras universitárias. De notar que, de acordo com esse ranking, entre as 19 melhores editoras do Brasil, 4 são universitárias, ou seja, um pouco mais de 20%. Situação rara, em muitos países, a começar por Portugal, e uma razão mais para ouvirmos Paulo Franchetti, que junta às suas facetas de professor, orientalista, crítico, poeta, ficcionista e editor (e motoqueiro…) a de conhecedor profundo da literatura portuguesa, sobretudo das obras de Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Camilo Pessanha (cuja edição fixou, laminando uma série de lendas de longo curso sobre o poeta e a obra) e Fernando Pessoa.

Agradecemos a Paulo Franchetti a disponibilidade revelada e o empenho colocado na resposta, desassombrada como sempre, às nossas perguntas.

TP: Pode dar-nos algumas informações prévias sobre a Editora da Unicamp? Qual é o seu orçamento anual? Quantos funcionários trabalham na editora e nas livrarias do campus? Quantos livros publica a editora em média por ano?

PF. A Editora recebe um apoio de cerca de R$ 300.000,00 por ano. Isso constitui o seu fundo editorial e se destina a cobrir principalmente a tradução e a impressão de obras que, apesar de importantes para o público universitário, não produzem retorno de vendas, por se dirigirem a um público muito restrito. Anualmente, com base em projetos específicos e planilhas de custos, a reitoria pode suplementar esse valor. O faturamento bruto da Editora da Unicamp gira em torno de R$ 1.500.000,00.

Na Editora trabalham 25 funcionários, e nas duas livrarias, 4. Desses, apenas 8 são funcionários públicos; os demais são contratados pela Fundação e têm seus salários e direitos pagos com o resultado da venda de livros. De modo que a Editora da Unicamp funciona mais ou menos como uma pequena empresa.

O número relativamente elevado de funcionários se deve a uma estratégia definida pela direção: fazemos internamente a revisão e a diagramação da maior parte dos livros, tendo para isso quatro revisoras contratadas em período integral e duas diagramadoras. Quando há excesso de trabalho, alguns serviços de revisão e diagramação são terceirizados. Os funcionários, então, promovem leitura aleatória do trabalho realizado, para controle de qualidade. Isso tem garantido à Editora um excelente nível de correção nas suas publicações, muito acima do padrão nacional.

A Editora publica em média 40 títulos novos por ano e 6 em segunda edição. Desse total, todos os anos são feitas cerca de 24 reimpressões. De modo que a Editora põe na praça, anualmente, cerca de 70 tiragens.

Continuar a ler

Bruaá: «Nós somos o caracol na beira da estrada que vê passar a corrida das grandes editoras»

Fundada em 2008 e com sede na Figueira da Foz, um saudável gesto de rebeldia face à macrocefalia lisboeta, a Bruaá Editora afirmou-se desde o início como um projecto marcante na área do livro infantil, assinalando, a par de alguns outros selos editoriais, a chegada da idade maior a esse segmento do mercado do livro em Portugal. Com uma produção ainda limitada em títulos, a Bruaá destacou-se pela escolha criteriosa dos livros, revelando autores de literatura infantil tão fundamentais como Shel Silverstein (autor aliás emblemático de uma simbiose profunda entre texto e ilustração) ou obras nas quais a questão da ilustração é indissociável da própria materialidade oficinal do objecto-livro, como nos casos de O livro negro das cores, de Menena Cottin e Rosana Faría, ou Na noite escura, de Bruno Munari. Com uma actividade repartida pela edição e pelo design, a Bruaá lançou-se mais recentemente na aventura de produzir os seus próprios títulos, combinando textos de referência – de Charles Cros e Daniil Harms – com ilustrações de autores portugueses e com formatos pensados para cada caso. Razões mais do que suficientes para ouvirmos Cláudia Lopes e Miguel Gouveia, o duo que vai justificando o bruaá que se ouve em torno dos livros da editora. Agradecemos a ambos a disponibilidade com que acederam ao nosso pedido de entrevista.

TP. Como descreveriam o vosso projecto editorial?

B. É um projecto independente, trabalhado por dois aprendizes do ofício, que se baseia fundamentalmente na edição de livros ditos infanto-juvenis e que tenta construir um catálogo diverso e com propostas alternativas que obedecem mais a um gosto pessoal do que a critérios puramente comerciais.

TP. Como definiriam o público-alvo da Bruaá?

B. Esse é um exercício bastante difícil. Sabemos que o que editamos se insere dentro do chamado âmbito infanto-juvenil, mas também sabemos que o adulto nunca sai de cena, nunca deixando a criança e o livro verdadeiramente a sós. A criança é sempre o último recipiente de um ciclo de criação, distribuição e escolha adulto. Adultos esses que, para além de carregarem um imaginário infantil e à medida que as propostas editoriais vão elevando as fasquia da qualidade e experimentação, acabam também eles por se tornarem no recipiente final. É de desconfiar quando alguém diz que escreve ou publica para idades entre x e y. Por isso, o nosso único alvo é a qualidade que procuramos num texto, numa ilustração e no design. O resto acontecerá algures entre os 8 os 80.

Continuar a ler

Changuito: «Há editores maravilhosos, uns assim já para o assado, e outros militantemente merdosos»

Fica no nº 11 da Rua Cecílio de Sousa, em Lisboa, e está aberta de segunda a sábado, das 10h às 19.45h. Para quem quiser ir de metro, a estação mais próxima é a do Rato (linha amarela). Se preferir o autocarro, pode apanhar o 758, que passa no Príncipe Real, embora o 773 e o 790 também possam deixá-lo lá perto. Também se pode ir a pé, ou de trotinete, e chega-se mais depressa. Chama-se Poesia Incompleta e é a única livraria (apenas de) poesia do país, sendo pouco certo que tenha congéneres para lá de Badajoz. O seu sócio principal, patrão, empregado, moço de fretes e fumador com estilo ostenta o nome de guerra Changuito e além de ser uma pessoa com boas ideias é ainda um livreiro de boas práticas. Propusemos-lhe entrevista e não se fez rogado exprimindo-se, de preferência, em verso livre.

Agradecemos a Changuito a disponibilidade manifestada. Pela nossa parte, estaremos sempre disponíveis para publicitar quem assim exerce na área da «formação cívica».

PT. Como é que lhe surgiu esta ideia, a priori um tanto louca, de uma livraria exclusivamente dedicada à poesia? Inspirou-se nalgum caso que tenha conhecido no estrangeiro?

C. A ideia surgiu da necessidade, enquanto leitor, de encontrar livros que não encontrava noutros lugares. Loucura parecia-me não o fazer. A poesia, creio que só suplantada pelo teatro, é o que dizem ser menos vendável, mas, que diabo, há sempre gente que se vai interessando. E, felizmente, não falo só de pessoas dos meios literário-académicos. Ouço e leio, muitas vezes, que só no meio há leitores. Tenho encontrado casos vários que contrariam esta ideia. Leitores que estão a começar bibliotecas, gente que constantemente está a fazer dezoito anos e que tem margem de encantamento; outros, que estarão a meio da sua vida, e se acostumaram a ler poesia, a viver com ela nos intervalos da prosa; felizmente, outros ainda, com setenta, oitenta ou noventa anos que continuam procurando aquele livro que tiveram e já não têm, ou que procuram poetas novos.

Sabia da existência de algumas, mas não conhecia fisicamente nenhuma.

Continuar a ler

Vasco Santos, da Fenda: «O actual panorama editorial é a miséria»

Tudo começou em Coimbra no final dos anos 70 com uma revista de nome estranho mas excitante: Fenda. Magazine Frenética. Chegaram depois os anos 80 e com eles João Bicker tomou conta do grafismo da editora e Júlio Henriques trouxe a referência situacionista que marcaria a Revista Pravda. No final da década Vasco Santos, o pai e gestor da criatura, mudou-se para Lisboa, ao contrário de João Bicker ou de Júlio Henriques, que optaram pela província. A Fenda acumulou então títulos e distinção, quer entre o público refractário, quer entre os apreciadores de clássicos bem encadernados. Tornou-se uma marca de água, e de felicidade, para os amantes dos livros que acrescentam ao mundo. Fomos por isso ouvir Vasco Santos e inteirar-nos do estado da Fenda. Agradecemos-lhe a disponibilidade manifestada para nos responder.

Com esta entrevista, Tantas Páginas inicia uma série de entrevistas a pessoas ligadas ao mundo do livro, num momento em que a própria expressão «mundo do livro» vai ganhando conotações algo nostálgicas.

PT. O que se passa com a Fenda? Está (en)cerrada?

V.S. Não passa nada. Fenda infinda. Estamos há trinta e três anos em crise. Estamos bem.

PT. Como definiria o público leitor da Fenda? E acha que ele cresceu ou encolheu ao longo destes anos todos?

V.S. O público da Fenda é o dos leitores trágicos, pouco eficientes, sonhadores. Ao longo destes anos encolheu, perdeu massa muscular e cabelo.

PT. Quando lançou a editora, em Coimbra, alguma vez pensou vir a ser um editor profissional, ou foi desde o início claro para si que a Fenda seria o seu «violon d’Ingres»?

V.S. Sim. Tive o sonho romântico de ser editor. E fui. E de súbito é noite.

Continuar a ler