É um dos micro Crimes Exemplares de Max Aub: um daqueles que coincidem com uma frase, sem contextualização nem descrição de personagens, produzindo uma redução de mundo que é também, muitas vezes, uma abrupta redução de razões. Não é todavia o caso, já que o conto em pauta (ou melhor, a «confissão»: não esquecer que é sob esta figura da antiguidade jurídica e cristã que Aub coloca estes crimes de exemplo) se esgota na produção da razão. Cito-o da edição portuguesa (p. 21):
Matei-o porque tinha a certeza de que ninguém estava a ver.
Note-se que na edição ilustrada que a Antígona entretanto publicou, em 2008, importada das edições Media Vaca, a tradução não coincide no final da frase – «…ninguém me estava a ver» -, situação recorrente no livro e porventura atribuível a uma intervenção da revisora, Carla da Silva Pereira, sobre a tradução de Jorge Lima Alves. Em espanhol, aqui (p. 23), o texto é o seguinte:
Lo maté porque estaba seguro de que nadie me veía.
E é tudo: nenhuma descrição do morto, da situação (o onde e o quando) do homicídio, sequer da arma do crime e do modus operandi (o como). Apenas um (aparente) discurso de razões: «porque tinha a certeza de que ninguém me estava a ver». O crime é, pois, suficientemente despragmatizado para poder ser deslocado ao longo da montanha-russa da História do Crime, da antiguidade pré-helénica à Alemanha de Fritz Lang e aos EUA de Al Capone e Bernard Madoff, digamos. Duvido porém que possa ser despragmatizado a ponto de o excluirmos das fronteiras da «Civilização Ocidental».