Livros a apresentar na sessão 7 de «Páginas Tantas»

Ficção

● Iris Murdoch, Sob a Rede (trad. Maria de Lourdes Guimarães), Lisboa, Relógio D`Água, 2011. ISBN 9789896412418.

● Fernando Pessoa, O Mendigo e outros contos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-79304-1

● Fernando Pessoa, Contos Completos, Lisboa, Antígona, 2012. ISBN 978-972-608-223-1

Poesia

● Giovanni Testori, Três Prantos (Miguel Serras Pereira), Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-37-1622-1.

● Jorge Sousa Braga, O Novíssimo Testamento e outros poemas, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-79303-4

Ensaio

● Hans Magnus Enzensberger, O Afável Monstro de Bruxelas (trad. Júlia Ferreira e José Cláudio), Lisboa, Relógio d’Água Editores, 2012. ISBN 978-989-641-292-0.

● Jacques Rancière, A Noite dos Proletários. Arquivos do sonho operário, Lisboa, Antígona, 2012. ISBN 978-972-608-220-0

Literatura infantil

● Manuel António Pina, O Têpluquê e outras histórias, ilustrações de Bárbara Assis Pacheco, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-78661-6

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Livros a apresentar na sessão 6 de «Páginas Tantas»

Ficção

● Gonçalo M. Tavares, Short Movies, Lisboa, Caminho, 2011. ISBN 978-972-21-2459-1

Poesia

● Manuel António Pina, Todas as Palavras. Poesia reunida, Lisboa, Assírio & Alvim, 2012. ISBN 978-972-0-79293-8

Ensaio

●  Jacques Rancière, O Espectador Emancipado (trad. José Miranda Justo), Lisboa, Orfeu Negro, 2010 [2008]. ISBN 978-989-8327-06-2.

●  Delfim Sardo, Obras-Primas da Arte Portuguesa – Século XX – Artes Visuais, Lisboa, Athena, 2011. ISBN 978-989-31-0023-3.

● Georges Didi-Huberman, Imagens apesar de tudo, Lisboa, KKYM, 2012. ISBN 978-989-97684-1-3

Livros a apresentar na sessão 5 de «Páginas Tantas»

Ficção

● Clarice Lispector, O Lustre, Lisboa, Relógio d’Água, 2012. ISBN 978-989-641-283-8

● Clarice Lispector, Água Viva, Lisboa, Relógio d’Água, 2012. ISBN 978-989-641-284-5

● Jorge Luis Borges, História da Eternidade, Lisboa, Quetzal, 2012. ISBN 978-972-564-992-3

● Jorge Luis Borges, O Livro de Areia, Lisboa, Quetzal, 2012. ISBN 978-972-564-993-0

Poesia

●  Edgar Allan Poe, Obra Poética Completa (tradução, introdução e notas de Margarida Vale de Gato; ilustrações de Filipe Abranches), Lisboa, Tinta da China, 2009. ISBN 978-972-8955-93-9.

Entrevista

● Carlos Vaz Marques (selecção e tradução), Entrevistas da Paris Review (2ª edição), Lisboa, Tinta da China, 2010. ISBN 978-989-671-014-9.

Ensaio

● Carlos Mendes de Sousa, Clarice Lispector. Figuras da Escrita, São Paulo, Instituto Moreira Salles, 2011. ISBN 978-85-86707-72-8

● Helena Vasconcelos, Humilhação e Glória, Lisboa, Quetzal Editores, 2012. ISBN 978-972-564-994-7.

Paulo Franchetti, sobre a «Poesia Incompleta»

Lembro-me perfeitamente da livraria Poesia Incompleta, de Lisboa. Lá estive uma única vez. Quando tentei voltar, o proprietário, ao que me disseram encantado com o Rio de Janeiro, prolongara as férias e deixara apenas um recado na porta, anunciando a data improvável do retorno ao trabalho.

Mas quando a visitamos, minha mulher e eu, o navio ainda não encalhara. Ia em boa toada, aparentemente.

Sentamo-nos num sofá muito baixo, que nos deixava a impressão de olhar justo por cima dos joelhos, meio à direita da cadeira do proprietário. Changuito se chamava ele ali, no desempenho brilhante da difícil arte de conciliar ar blasé e receptividade calorosa.

À sua frente, como se até ali se estendesse o palco, destacado de nós, a plateia que os mirava de rasante por sobre as rótulas, sentavam-se alguns poetas, em constante entra e sai. Não guardei os nomes, mas lembro-me de que pareciam de fato poetas: algo enigmáticos, falando quase por cifras de outros poetas. Mal, evidentemente, mas não tanto. Um deles, permaneceu todo o tempo exercitando a arte do silêncio significativo. Meditava ou apenas se esforçava por não se interessar pelos demais. Havia outro, mais torturado, mas que ficou pouco tempo.

Como não lhes conhecia a obra, era um espectador isento, interessado sobretudo naquela espécie de teatro Nô, em que as hierarquias e emoções se indiciavam por um piscar de olhos ou um mover de dedo mínimo.

Já o Changuito nada tinha de mistério e por isso aquecia a sala, com o seu cobertor sobre as pernas, funcionando como contraponto ou contracanto ao silêncio misterioso dos que, por vezes, se erguiam e percorriam distraidamente as estantes.

A alma do lugar se posicionava numa parte que um computador e um telefone mostravam ser o escritório e dali irradiava a energia que parecia a ponto de exaurir-se na não conversa dos alinhados do outro lado.

O resto, como se imagina, eram estantes, apinhadas, extravasando. Banheiro, chão, banquinhos: em tudo se derramava a profusão de folhas encadernadas, capas e formas coloridas. Em vários estágios de organização ou desorganização, nelas havia, para o bom procurador, inimagináveis coisas. Changuito as conhecia bastante bem, como seria de esperar. Mas não totalmente, de modo que restava sempre, ao curioso, alguma surpresa a compartilhar com ele.

Mais biblioteca, talvez, que livraria. Mais palco e lugar de encontro e celebração, porventura, do que biblioteca.

Leio agora a notícia de que fechará as portas. Suspeito que Changuito terminará por se estabelecer no Brasil. Tomara que aqui consiga espaço, tempo e livros para montar uma nova casa de poesia.

Enquanto não o faz, minha impressão é que alguma coisa importante e única está ausente. Só uma vez, como disse, lá estive. Mas era bom, dava uma boa sensação saber que um dia, se calhasse, poderia fazer-lhe outra visita.

Livros a apresentar na sessão 4 de «Páginas Tantas»

Ensaio

• Anselmo Borges, Corpo e Transcendência, Coimbra, Edições Almedina, 2011. ISBN 9789724046501

• Rousseau, O Contrato Social (Manuscrito de Genebra), Introdução e notas de João Lopes Alves, Lisboa, Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2012. ISBN978-989-644-178-4

• Soren Kierkegaard, Diapsalmata, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011. ISBN 978-972-37-1516-3

• Sousa Dias, Grandeza de Marx. Por uma Política do Impossível, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011. ISBN 978-972-37-1612-2

Literatura de Viagens

•Almeida Faria, O Murmúrio do Mundo, ilustração de Bárbara Assis Pacheco, Lisboa, Tinta da China, 2012. ISBN 9789896711115

Poesia

Estilhaços e Cesariny, Textos e Poemas de Adolfo Luxúria Canibal e Mário Cesariny ditos por Adolfo Luxúria Canibal, Lisboa e Vila Nova de Famalicão, Assírio & Alvim / Sons e Fundação Cupertino de Miranda, 2011. ISBN 978-972-37-1618-4

Ser fiel ao acontecimento, por Sousa Dias

O acontecimento acontece sempre, com efeito, no contexto de certas condições efectivas que, uma vez dado esse acontecer, serão vistas como as condições de possibilidade do próprio acontecer. Mas o acontecimento como tal nunca decorre, ou só decorre por uma parte (a sua parte ‘reactiva’, histórico-contextual, definível por aquilo contra o que reage ou acontece) dessas condições que ele excede na sua parte ‘activa’ ou auto-afirmativa e que, explicando-o ou co-possibilitando-o num olhar retrospectivo, nada explicam. As condições contextuais objectivas em que se dá o acontecimento são ao mesmo tempo as suas condições de possibilidade (visto o acontecimento por referência a posteriori a elas) e as suas condições de impossibilidade (vistas estas a priori por referência ao acontecimento). Elas são as condições de impossibilidade do acontecimento, as condições negativas da vinda do acontecimento que, mesmo depois de ter vindo, e como dizia Jean-Luc Marion atrás citado, permanece impossível, inexplicável, ‘sem razão’. Em linguagem metafísica, ‘ontológica’, um acontecimento deve ser possível segundo o ser sem todavia se lhe reduzir (excedência, incompossibilidade, não-relação). Deve ser um ‘efeito’ do ser, mas um efeito que não decorre do ser como da sua causa, que pelo contrário, ao efectuar-se, ao acontecer, retroage sobre o ser de maneira a determiná-lo, por essa retroacção, como causa. O acontecimento inscreve-se no ser, na ordem positiva do ser, mas é só por essa inscrição ou efectuação, pela sua vinda impossível e incondicionada, que ele determina o ser como sua causa, como condição da sua possibilidade. Ao irromper ou interromper, ao romper a série ‘cosmológica’ do ser, o acontecimento cria a sua própria possibilidade como possibilidade dada no ser. O que abre para o tema, de raiz estóica na história da filosofia, e conceptualizada de forma admirável na filosofia moderna por Deleuze e de novo por Badiou, daquilo a que se poderia chamar a ‘fidelidade ao acontecimento’ (por exemplo ao acontecimento-Marx, à cesura teórico-política de que Marx é o nome próprio). Ser fiel ao acontecimento, ser fiel ao que nos acontece, mesmo ao mais pessoal ou privado do que nos acontece, um amor, uma amizade, um encontro para sempre marcante com um livro ou um filme, algo ou alguém…, é justamente recusar a reinscrição, ou absorção, do acontecimento na ordem (ontológica, histórica, pessoal) do ser, é afirmar o acontecimento como excedência absoluta das condições do ser, do real e do possível, como im-possível extra-ser. É viver o acontecimento como uma ‘graça’, como qualquer coisa de absolutamente único, irredutível pela sua singularidade à ordem causativa do ser, acontecimento-efeito que produz as suas causas, que as explica, lhes dá sentido como causas, em vez do inverso.

Sousa Dias, Grandeza de Marx. Por uma política do impossível, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011, pp. 111-112.

Sousa Dias sobre ecologia e multiculturalismo no neocapitalismo global

A ecologia é a nova ideologia em ascenso do capitalismo. A próxima mutação previsível do capitalismo, ainda incipiente mas já em marcha, é a sua transformação nos países pós-industriais em capitalismo verde, ‘amigo do ambiente’. A coisa já começou, através de um novo tipo de marketing visando a nossa ‘sensibilização’. Garantem-nos que se comprarmos o produto x ou o produto y estamos a contribuir para a protecção da Natureza, para a preservação ambiental. Emergência, contra a catástrofe natural (provocada pelo capitalismo), de um neocapitalismo verde, de rosto ecológico, de um ecocapitalismo, tanto quanto de um, correlativo, biocapitalismo, de uma ‘bio-economia’ como capitalismo de rosto humano. Isto é: de um capitalismo revalorizador das actividades de lazer, das actividades relacionais e ‘espirituais’, dos aspectos ‘não económicos’ da vida: o capitalismo, de novo e sempre, como salvação para o capitalismo, para o desastre capitalista, como a ‘ruptura’ histórica necessária, a alternativa a si mesmo, como única saída possível ou único ‘exterior’ do próprio capitalismo. O ‘ambiente’ e as ‘relações sociais’ ou ‘conviviais’ como os centros da economia política (portanto, das políticas económicas) do futuro, uma ‘nova economia’, eco- e bio-, como gestão (lucrativa) da crise planetária e social por auto-reconversão repossibilitadora do sistema provocador da crise. Em suma, um capitalismo ‘responsável’ e, em igual medida, ‘ético’. Mas que, como observa Zizek, deixa intactas, e assim justifica ‘espiritualmente’, as relações capitalistas de produção [1]. E com efeito o paradoxo do novo capitalismo ecológico em ascensão é que, sob o pretexto de querer salvar a Terra, o que ele quer é salvar-se a si nos seus fundamentos enquanto relação necessária e não contingentemente desastrosa com o planeta [2]. Longe de precarizar o capitalismo, como muitos pensam, a catástrofe ambiental abre pelo contrário novas possibilidades ao capitalismo, possibilidades de investimento ‘terapêutico’ tanto maiores e tanto mais lucrativas quanto mais ideologicamente legitimadas pela ecologia, pelo discurso ecologista da ‘salvação do planeta’. Por fim, e tratado como uma nótula de pé de página, o multiculturalismo, a questão das modernas sociedades ‘multiculturais’. Para referir que o multiculturalismo, a cultura multiétnica, não é uma bandeira ética ou social revolucionária. Ao Capital interessam, dentro de certos limites, as imigrações massivas que forcem os trabalhadores ‘nacionais’ a aceitar, por efeito da concorrência dos emigrados, salários mais baixos. O multiculturalismo, tal como no pós-guerra a emancipação feminina, é uma bandeira, sim, mas do capitalismo. É o neocapitalismo global que é profundamente multiculturalista, como o capitalismo pós-1945, por necessidade de mão-de-obra, era profundamente ‘feminista’. A tolerância multiculturalista é mais uma máscara ‘civilizacional’, nestes tempos neoliberais, com que o Capital prossegue a sua barbárie.

[1] SLAVOJ ZIZEK, Après la tragédie, la farce!, p. 58.
[2] COMITÉ INVISIBLE, L’insurrection qui vient, pp. 66-67. 

Sousa Dias, Grandeza de Marx. Por uma política do impossível, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011, pp. 99-101.

Sousa Dias sobre a noção de ‘ditadura do proletariado’ em Marx

Comunismo é para Marx o nome próprio, não só do movimento proletário de superação da forma da sociedade existente, mas da forma social futura resultante dessa superação, ou seja, da ‘sociedade sem classes’, da democracia social absoluta por vir. O comunismo, a Ideia de comunismo, como forma superior de democracia: eis o que parece incompatível, ou pelo menos aberto logo de início à corrupção fáctica no comunismo ‘real’, com o conceito de ditadura do proletariado, foco desde sempre, e sobretudo desde a efectividade dos Estados ‘comunistas’ totalitários, da atribuição a Marx de uma concepção autoritária, antidemocrática, do Poder revolucionário, ou de responsabilidades ‘conceptuais’ no totalitarismo histórico desse Poder. O que faz desse conceito a noção mais equívoca, mais historicamente sobreconotada, do pensamento político de Marx. Na verdade, esse conceito ― se é que em rigor se pode falar aqui de conceito ― está bastante longe de ter quer o sentido quer, antes ainda, a centralidade teórica e a recorrência nos textos de Marx que muitas vezes se pensa que tem. A própria expressão, ‘ditadura do proletariado’, surge apenas três vezes, ou mais precisamente, em três escritos ― três! ―, e sempre só de passagem, nos cento e catorze volumes da edição alemã das obras completas de Marx, correspondência incluída. Aparece uma primeira vez em As lutas de classes em França, livro editado por Engels em 1895, já após a morte de Marx portanto, mas reunindo os três artigos sobre a falhada revolução de 1848 em França publicados por Marx em 1850 num jornal alemão. No primeiro desses artigos (janeiro de 1850) aparece uma vez a expressão ‘ditadura da classe operária’ [1]. Também no segundo artigo (fevereiro de 1850) ocorre, e de novo uma única vez, a expressão ‘ditadura revolucionária’, expressamente referida, como objectivo político, ao proletariado [2]. E no terceiro e último artigo (março de 1850) fala-se, sempre uma única vez, de ‘ditadura de classe do proletariado’  [3]. Os três artigos formam em conjunto uma espécie de relatório de Marx (brilhante até do ponto de vista literário, como o são de resto todos os textos da sua trilogia de história do seu tempo), do tipo ‘balanço e perspectivas’ do movimento revolucionário francês e europeu ou ‘lições da história’, e constituem um momento decisivo na evolução do pensamento político de Marx, na sua constante passagem do movimento real ao movimento teórico ou como ele diz da crítica prática à prática crítica (e vice-versa), evolução da qual um dos traços conceptuais mais importantes é sem dúvida essa introdução da expressão ‘ditadura do proletariado’. Mas em nenhuma das citadas ocorrências dessa expressão ela é tematizada por si mesma, tomada como objecto de explicitações, de teoria. Mais ainda. Todas essas ocorrências do termo ‘ditadura’ referido à classe operária ou como ditadura ‘revolucionária’ surgem aí em contraposição às dos termos ‘ditadura burguesa’ e ‘ditadura da burguesia’ que ocorrem por toda a parte nos artigos de As lutas de classes em França para designar a dominação política da burguesia industrial ou financeira, mesmo sob a forma de ‘república constitucional’ ou ‘democrática’. ‘A república constitucional é a ditadura dos (…) exploradores unidos  [do proletariado industrial e da classe camponesa]; a república social-democrata, vermelha, é a ditadura dos (…) aliados [dos camponeses]’ [4]. O que mostra que, para Marx, o termo ‘ditadura’ não significa um regime autoritário ou não democrático, porque é a própria democracia parlamentar, é o próprio Estado democrático moderno, é até o aparelho de Estado como tal, que é por essência ditatorial, enquanto ditadura de classe, máquina de dominação de uma classe sobre a restante sociedade, ‘suprastrutura’ política garante de uma determinada forma de dominação económica ou de relação desigual como ‘infrastrutura’ social. A ditadura do proletariado, tal como Marx a ideava ―não como o marxismo-leninismo e o sovietismo a efectuarão ― seria uma forma de poder, ou de Estado, incomparavelmente mais democrática que todas as nossas democracias. Seria um Estado em transição para o não-Estado como Democracia por vir.

[1] Cf. Karl Marx, As lutas de classes em França, in Marx-Engels, Obras escolhidas, I, Ed. Avante, Lx, p. 252.
[2] ibidem, p. 280.
[3] ibidem, p. 309.
[4] ibidem, p. 304.

Sousa Dias, Grandeza de Marx. Por uma política do impossível, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011, pp. 62-65.

Notas sobre Luís Quintais (II)

É difícil resistir a citar aqui alguns versos de um poema de Angst, «Uma inocência», em que, a partir de uma imagem central de aves devorando lixo em sacos de plástico negro, Quintais resume tudo isto em modo cáustico:

O que faz a poesia?
Remir por certo tipo de palavras

certo tipo de coisas certo tipo
de asas flap flap flap certo tipo
de razões desesperadas.

A poesia faz «certo tipo de» coisas: note-se a linguagem antifundacional, que se abstém de dar nomes a «coisas» e «razões», recuando ante a vastidão de tais «coisas» e «razões» e, ao mesmo tempo, não contribuindo com mais uma acha para a fogueira desmesurada de versões mais ou menos legiferadoras da Poesia no concerto das linguagens e modos de fazer mundos.

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Paulo Varela Gomes sobre a arquitectura pós-moderna

Jorge Figueira ― Depois houve as Amoreiras e o Tomás Taveira. Há dois artigos sobre as Amoreiras em 1987 e, em 1989, já passado algum tempo, sobre o BNU. «O efeito Amoreiras» é escrito só por ti, e o que te pergunto é: tinhas alguma expectativa que aquela via fosse possível?

Paulo Varela Gomes ― Não, nisso enganei-me redondamente. Isto é, quando sinto culpa – e de vez em quando sinto culpa de coisas que escrevi -, essa é certamente a culpa maior que sinto. Porque sei que tive alguma influência, embora não muita, e que essa influência foi perniciosa. Embora ela se tivesse exercido mesmo que eu não existisse.

Naturalmente, teria havido outra pessoa qualquer a fazer o mesmo. Mas a cópia de pequenas Amoreiras, ou de pequenas coisinhas das Amoreiras por todo o país, é dos aspectos mais trágicos que aconteceram na paisagem construída. Não é portuguesa, é mundial, como toda a gente sabe, e às vezes em escala absolutamente catastrófica, como é o caso da Índia ou de certos países do Terceiro Mundo.

É uma absoluta catástrofe o que aconteceu à arquitectura a partir dos anos oitenta. São quilómetros e quilómetros quadrados de edifícios horríveis… E vai passar à história da arquitectura mundial como um dos piores períodos. Mesmo que se ache mal a arquitectura do século XIX, aquilo era arquitectura, no sentido em que não vinha só de fora para dentro, vinha de dentro para fora… Isto não; são horríveis edifícios de habitação ou de escritórios, sem qualquer interesse, quase todos, muito mal feitos, com umas placas de decoração em cima. E no entanto tenho alguma culpa directa na divulgação disso em Portugal, porque disse bem, nomeadamente, nessa história do ‘efeito Amoreiras’. Em nome de quê? Em nome da popularidade da arquitectura, acho eu. Em nome do facto de que se democratizava o que era da classe alta, e que a paisagem ficaria mais divertida, mais animada. Que a arquitectura deixava de ser uma coisa de elite.

Jorge Figueira, Reescrever o Pós-Moderno, Porto, Dafne Editora, 2011, p. 170.

«A arte de profanar: A poesia submersa de Roberto Piva», por Renan Alves de Souza

Publicado originalmente em 1963, com o trabalho fotográfico de Wesley Duke Lee, Paranóia, de Roberto Piva (1937 – 2010), na altura de sua publicação, foi recebido com resistência, frieza e indiferença pela crítica. Apenas na antologia 26 poetas de Hoje, de Heloísa Buarque de Holanda, o poeta teve alguma repercussão, ao apresentar a poesia marginal como novidade. Piva reagiu violentamente contra o que seria o objecto da poesia concreta, a modernização brasileira, mantendo-se em “seu mundo delirante” e assumindo a sina de poeta maldito, individualista e com espírito anárquico. O escatológico, o pornográfico, o grotesco, o sublime, e o maravilhoso são temas recorrentes que permeiam a sua poesia, e que reforçam a comparação com Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, ao evocar o mal e a “destruição de tudo que é frágil”. O próprio poeta assume a impiedade em versos como “eu não sou piedoso, eu nunca poderei ser piedoso” e a todo tempo manifesta sua agressividade contra tudo e contra todos sob a luz de uma figura errante e solitária e ao mesmo tempo o mais frágil e desamparado dos seres: “no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória”.

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Livros a apresentar na sessão 3 de «Páginas Tantas»

Poesia

• Roberto Piva, Paranóia, Prefácio de Davi Arrigucci Jr, São Paulo, Editora IMS, 2009. ISBN: 9788586707407

• Joana Matos Frias, Luís Miguel Queirós, Rosa Maria Martelo (orgs.), Poemas com Cinema, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010. ISBN: 978-972-37-1507-1.

• Rui Caeiro, Chama-lhe o que quiseres, Lisboa, Oficina do Cego, 2010.

• Manuel de Freitas, Isilda ou a mudez dos códigos de barras, Lisboa, Oficina do Cego, 2010.

Biografia

• Teixeira de Pascoaes, O Penitente (Camilo Castelo Branco), Lisboa, Assírio & Alvim, 2002 [1942]. ISBN: 972-37-0675-X.

Ensaio

• Leonor Areal, Cinema Português. Um País Imaginado, Coimbra, Edições 70, 20112 vols.

Prosa

• Pedro Monteiro e Rodrigo Monteiro; Tiago Albuquerque (ilustrações), Novíssimo Livro de Leitura – 1ª à 4ª Classes e Classe Operária, Coimbra, Lápis de Memórias, 2011. ISBN: 978-989-97200-3-9.

Tomás Martins, director da Ateliê Editorial: «A onda do livro digital irá impactar o mercado do livro, mas a forma com que se dará esse impacto é difícil saber»

Com pouco mais de década e meia de vida, a Ateliê Editorial, com sede em S. Paulo, conseguiu uma sólida reputação de editora de catálogo exigente e de factura (e manufactura) cuidada e, não raro, memorável. Muitos são os livros da Ateliê que se tornam «clássicos» instantâneos mal saem das tipografias, tal a sua singularidade de objectos cartonados, a que se acrescenta a grande exigência na selecção de textos e tradutores ou nos trabalhos de composição e revisão de texto. Por todas essas obras, refira-se a emblemática edição do Finnegans Wake, de James Joyce, em cinco volumes traduzidos por Donaldo Schüler sob o título Finnicius Revém, edição ampla e justamente premiada no Brasil e pedra de toque do catálogo da editora fundada por Plinio Martins Filho. Editora centrada nas áreas da literatura, da comunicação, das artes, da arquitectura e das artes do livro, a Ateliê Editorial é uma das editoras mais premiadas do Brasil, o que, se atendermos à sua dimensão – uma dimensão média no mundo editorial brasileiro -, é algo bem revelador da qualidade do seu trabalho e do grau de reconhecimento interpares que sempre suscitou.

Por se tratar de uma editora cujo trabalho comporta toda uma pedagogia implícita do livro e do seu papel numa sociedade esclarecida, achámos que, na sequência das entrevistas que vimos fazendo a vários agentes do mundo do livro, urgia ouvir o responsável actual pela editora, Tomás Martins. Agradecemos a sua colaboração e a disponibilidade prontamente revelada.

TP. Pode descrever-nos o seu percurso profissional? Sempre sonhou ser editor?

TM. Meu percurso profissional foi bastante natural, na verdade. Sendo filho de Plinio Martins, desde novo comecei a me envolver com os trabalhos da editora: aprender a diagramar um livro, fazer capas emendar, revisar textos… Dessa forma, pode-se dizer que cresci dentro do mundo editorial e quando chegou o momento de começar a trabalhar já estava “encaminhado”. Mesmo tendo me formado em arquitetura, sempre trabalhei com design gráfico ou edição de livros.

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Série Negra, versão João B.

Era assim, a Série Negra d’A Regra do Jogo, em 1979 e 1980: centrada nos clássicos do mundo do crime… As capas, resolutamente cinéfilas, são de João Botelho, aliás João B., e não andam longe dos efeitos gráficos de «Conversa Acabada», o primeiro filme do cineasta, com data de 1981. Estes e muitos outros livros «desenhados» por João Botelho estarão expostos no TAGV a partir do próximo dia 8 de Março.

Recordamos que, conforme informámos anteriormente, a sessão do Páginas Tantas com João Botelho, que estava inicialmente marcada para hoje, foi adiada para a próxima segunda-feira, dia 12, por inadiáveis compromissos de rodagem do cineasta.

Capas desenhadas por João Botelho em exposição no TAGV

Um das capas de João Botelho, aliás João B., para as edições A Regra do Jogo, corria o ano de 1976. Este livro e muitos outros, d’A Regra do Jogo, da Afrontamento, da Centelha, dos Livros Cotovia ou da Cinemateca Portuguesa, serão objecto da exposição que, no TAGV, acompanhará a sessão do «Páginas Tantas» com João Botelho, no próximo dia 12 de Março.

André Tavares, da Dafne Editora: «Seremos sempre uma ‘editora de vão de escada’, da nossa escada que é uma escada desenhada por arquitectos»

Com aparição pública datada de 2004, a Dafne Editora é o exemplo de como a opção por uma área de especialização – a arquitectura – pode funcionar como imagem de marca e alavanca de um projecto editorial exigente e em desenvolvimento sustentável. De facto, sem nunca abandonar a sua área de referência (o site apresenta, por baixo do nome da editora, a indicação «Livros de Arquitectura»), a Dafne vem constituindo um catálogo relevante, sabendo alargá-lo para áreas limítrofes – o urbanismo, o design, a museologia, a estética – sem nunca perder o pé ou se lançar em expansões suicidas, num momento em que o mercado se alimenta de produtos «hiper-rotativos» e, por isso, de uma desoladora banalidade. Resistindo às solicitações do fácil e do estridente, a Dafne pratica ainda uma linha gráfica cuja sobriedade, na qual se pode talvez ler o legado da «Escola do Porto», tem um valor que no contexto actual é não só pedagógico como, convenhamos, terapêutico.

Razões mais do que convincentes para, na sequência das entrevistas que vimos fazendo a agentes do mundo do livro, ouvirmos André Tavares, o responsável principal pela editora. Agradecemos a sua disponibilidade.

TP. A Dafne define-se como «editora de arquitectura» mas a verdade é que o seu catálogo se tem vindo a alargar para a Museologia e Estética. Pode definir o projecto editorial da Dafne? Qual é de facto o vosso público-alvo?

AT. Nós não temos como objectivo atingir ninguém, nem imaginamos o leitor como um alvo a abater. Começámos com uma colecção de História da Arquitectura e fomos entendendo que era fundamental abrir o leque de temas para que os livros pudessem chegar a mais leitores. O nosso primeiro livro da colecção Equações foi um texto de artes plásticas, do António Olaio sobre o Marcel Duchamp. Naquela altura escrevemos que queríamos encontrar relações entre a arquitectura e universos paralelos, relações que são constantes e intermináveis. Mas naturalmente acabámos por nos centrar naquilo que sabemos e conhecemos melhor, que são os assuntos da arquitectura.

O ‘livro dos museus’ do João Brigola ou a colecção Imago foram oportunidades que apareceram ao longo do caminho e que nos pareceram muito oportunas, quer pelas condições que tínhamos para editar, no caso de uma parceria com o CHAIA da Universidade de Évora, ou pela hipótese de fazer chegar os livros da Dafne a um público que em geral é completamente surdo em matérias que fujam do mainstream. Creio que ambas as edições correram bem, e esperamos que haja outras hipóteses para acompanhar os nossos livros de arquitectura com outros livros que partilhem afinidades com eles.

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Oficina do Cego: «Vivemos como as vacas no campo, ruminando cuidadosamente os nossos projectos, pouco preocupados com os ontens e os amanhãs patrimoniais»

Fundada em Lisboa, em 2009, a Oficina do Cego, «associação sem fins lucrativos que desenvolve trabalho no domínio das artes gráficas», afirmou-se rapidamente como um colectivo empenhado na prática e na pedagogia da impressão e auto-edição. Combinando técnicas de hoje com técnicas de ontem, recuperando artes gráficas que o progresso e o fetichismo das tecnologias de impressão deitaram supostamente para o caixote do lixo da História e cruzando-as com sensibilidades gráficas muito diversas, a Oficina do Cego ofereceu um modelo de relação com a História, o património, a criação e o mercado no qual não custa ver uma lição alternativa ao actual pensamento único (bem patente no facto de o colectivo se ter recusado a individualizar os seus membros nesta entrevista). Em todo o caso, trate-se de técnicas d’antanho ou de hoje, a Oficina do Cego é uma aula viva do culto da materialidade dos suportes tipográficos tradicionais – papéis, cartolinas – e da sensorialidade das inscrições que neles a criatividade gráfica produz. De fanzines a jornais, cartazes, flyers ou livros, a civilização do impresso mostra, mais uma vez, a vitalidade das suas formas e o potencial do seu legado, nesta Oficina de gente que vê bem ao longe.

Uma vez que este blog decidiu ouvir um número alargado de agentes do livro, em Portugal e no estrangeiro, pareceu-nos que a Oficina do Cego deveria ter uma palavra a dizer. Não apenas pelo seu trabalho no domínio do livro, escasso mas precioso, mas pelo que este colectivo representa neste momento nas artes gráficas em Portugal. Resta-nos agradecer a todos os membros do colectivo o empenho colocado nas respostas que nos enviaram.

TP. Podem descrever a Oficina do Cego? O que é, quantas pessoas congrega, quais os seus objectivos?

OC. A Oficina do Cego é uma associação sem fins lucrativos, formada no final de 2009. No princípio éramos quase uma dúzia, ligados à ilustração, à edição de fanzines, à impressão, à poesia, ao design gráfico, à escrita sobre ilustração e banda desenhada.

Actualmente, a associação tem quarenta e sete associados.

Quando fixámos os nossos objectivos adaptámos, com bastante liberdade e fantasia, as linhas de um regulamento encontrado, por acaso, na internet (o regulamento da Associação Ateísta Portuguesa). Trocámos “ateísmo” por ”grafismo” e ficámos com a primeira tábua: A divulgação do grafismo como mundividência estética, filosófica e socialmente válida. Daí decorrem as seguintes, um tanto mais prosaicas: A produção de documentos gráficos, de abordagens autorais e artísticas multi-disciplinares e com múltiplas abordagens no domínio das técnicas de impressão e da edição de pequena tiragem; A formação teórica e técnica dos associados e outros em projectos inseridos nas actividades da associação; O intercâmbio com entidades e pessoas afins… Etc.

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Livros a apresentar na sessão 2 de «Páginas Tantas»

Ficção:
• António Lobo Antunes, Comissão das Lágrimas, Lisboa, Dom Quixote, 2011. ISBN: 9789722047951.
• Philip Roth, Némesis, Lisboa, Dom Quixote, 2011. ISBN: 9789722048040.

Poesia:
• Ruy Belo, Na Margem da Alegria. Poemas Escolhidos por Manuel Gusmão, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011. ISBN: 978-972-37-1598-9

Fotografia:
• Duarte Belo, O Núcleo da Claridade. Entre as Palavras de Ruy Belo, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011. ISBN: 978-972-37-1557-6

Entrevista:
• Jorge Figueira, Reescrever o Pós-Moderno, Porto, Dafne Editora, 2011. ISBN: 978-989-8217-17-2
• Marguerite Yourcenar, De Olhos Abertos. Conversas com Matthieu Galey, Lisboa, Relógio d’Água, 2011. ISBN: 978-989-641-240-1

Livro infantil:
• Isabel Minhós Martins e Yara Kono, Como é que uma galinha…, Lisboa, Planeta Tangerina, 2011. ISBN978-989-8145-34-5.

Averno: «Nos últimos anos a poesia, e a literatura, perderam terreno. Isso não é uma catástrofe. A poesia dá-se bem em condições adversas»

Nascida em 2002, e com 59 títulos editados desde então, a Averno conquistou com esse escasso catálogo uma reputação assinalável na «linha da frente» da edição portuguesa de poesia. Elegendo algumas (poucas) referências entre os poetas portugueses de períodos anteriores, de António Manuel Couto Viana e António Barahona a João Miguel Fernandes Jorge e Joaquim Manuel Magalhães, a Averno distinguiu-se sobretudo por apostar num conjunto de poetas da nova geração: Rui Pires Cabral, Manuel de Freitas, José Miguel Silva, Vítor Nogueira e, mais recentemente, Miguel Martins, Renata Correia Botelho ou Diogo Vaz Pinto. Não descurando a edição de poetas em tradução, a editora singularizou-se, logo no seu início, pela edição da antologia Poetas sem Qualidades, responsável por um longo e polémico debate na cena poética e crítica portuguesa, e pela edição de uma revista de poesia e crítica, Telhados de Vidro, hoje no seu nº 15. Seguindo uma velha e sempre actual lição, a Averno tornou os seus livros reconhecíveis pelas opções gráficas assumidas, as quais, após algumas hesitações iniciais, estabilizaram, em grande medida por influência de Olímpio Ferreira, nas capas em kraft, na avareza no uso da cor e nos formatos «de bolso». Tudo a contra-corrente de um mercado cada vez mais rendido a cores, brilhos e relevos sem pertinência ou sentido. Não surpreende que a Averno se tenha tornado numa espécie de exemplo a seguir por todas as pequenas e dinâmicas editoras que vão preenchendo o espaço que as editoras tradicionais ocuparam, até há pouco, na edição de poesia.

Razões mais do que suficientes para irmos ouvir Inês Dias e Manuel de Freitas, o duo que assume a condução editorial da Averno. Agradecemos a ambos a disponibilidade revelada.

TP. Quantas pessoas constituem a Averno?

A. A Averno é constituída apenas por duas pessoas, no que respeita a decisões editoriais: Inês Dias e Manuel de Freitas. Porém, e desde o primeiro momento, tivemos o privilégio de contar com o apoio gráfico do Olímpio Ferreira, que soube dar um rosto sóbrio e original à editora. Após a morte do Olímpio, que por pouco não foi o fim de tudo no plano editorial, continuámos graças ao entusiasmo e à disponibilidade de pessoas como Pedro Serpa, Inês Mateus ou Diogo Vaz Pinto. De Braga, com enorme zelo, a Carla Gaspar vai-nos actualizando o blog. E há também os autores, os ilustradores, os impressores. O que, em rigor, nos permitiria dizer que a Averno é constituída por vinte ou mais pessoas essenciais para a feitura dos livros.

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O que anda a ler?

Tantas Páginas convida os seus leitores a partilharem indicações de leitura, em rubrica que, com o título acima, abrirá em breve.

Para tal, os nossos leitores têm apenas que nos enviar os seguintes dados: foto, nome próprio, profissão, idade, local de residência e ainda quatro ou cinco preferências, nas áreas mais variadas (da moda aos automóveis, à gastronomia, à música, ao cinema, às viagens, etc.). Em seguida, deverão indicar, da forma mais completa possível, a referência bibliográfica de 3 livros que andem a ler ou que tenham lido ultimamente. Os livros poderão versar sobre qualquer tema ou área e ser escritos em qualquer idioma. Não deverão ser enviados comentários adicionais a cada título.

Quem quiser participar deverá enviar os seus dados para o nosso endereço de e-mail: tantaspaginas@gmail.com

Ficamos, pois, a aguardar a vossa participação. Começaremos a publicar as indicações logo que elas nos cheguem.

Bruaá: «Nós somos o caracol na beira da estrada que vê passar a corrida das grandes editoras»

Fundada em 2008 e com sede na Figueira da Foz, um saudável gesto de rebeldia face à macrocefalia lisboeta, a Bruaá Editora afirmou-se desde o início como um projecto marcante na área do livro infantil, assinalando, a par de alguns outros selos editoriais, a chegada da idade maior a esse segmento do mercado do livro em Portugal. Com uma produção ainda limitada em títulos, a Bruaá destacou-se pela escolha criteriosa dos livros, revelando autores de literatura infantil tão fundamentais como Shel Silverstein (autor aliás emblemático de uma simbiose profunda entre texto e ilustração) ou obras nas quais a questão da ilustração é indissociável da própria materialidade oficinal do objecto-livro, como nos casos de O livro negro das cores, de Menena Cottin e Rosana Faría, ou Na noite escura, de Bruno Munari. Com uma actividade repartida pela edição e pelo design, a Bruaá lançou-se mais recentemente na aventura de produzir os seus próprios títulos, combinando textos de referência – de Charles Cros e Daniil Harms – com ilustrações de autores portugueses e com formatos pensados para cada caso. Razões mais do que suficientes para ouvirmos Cláudia Lopes e Miguel Gouveia, o duo que vai justificando o bruaá que se ouve em torno dos livros da editora. Agradecemos a ambos a disponibilidade com que acederam ao nosso pedido de entrevista.

TP. Como descreveriam o vosso projecto editorial?

B. É um projecto independente, trabalhado por dois aprendizes do ofício, que se baseia fundamentalmente na edição de livros ditos infanto-juvenis e que tenta construir um catálogo diverso e com propostas alternativas que obedecem mais a um gosto pessoal do que a critérios puramente comerciais.

TP. Como definiriam o público-alvo da Bruaá?

B. Esse é um exercício bastante difícil. Sabemos que o que editamos se insere dentro do chamado âmbito infanto-juvenil, mas também sabemos que o adulto nunca sai de cena, nunca deixando a criança e o livro verdadeiramente a sós. A criança é sempre o último recipiente de um ciclo de criação, distribuição e escolha adulto. Adultos esses que, para além de carregarem um imaginário infantil e à medida que as propostas editoriais vão elevando as fasquia da qualidade e experimentação, acabam também eles por se tornarem no recipiente final. É de desconfiar quando alguém diz que escreve ou publica para idades entre x e y. Por isso, o nosso único alvo é a qualidade que procuramos num texto, numa ilustração e no design. O resto acontecerá algures entre os 8 os 80.

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Changuito: «Há editores maravilhosos, uns assim já para o assado, e outros militantemente merdosos»

Fica no nº 11 da Rua Cecílio de Sousa, em Lisboa, e está aberta de segunda a sábado, das 10h às 19.45h. Para quem quiser ir de metro, a estação mais próxima é a do Rato (linha amarela). Se preferir o autocarro, pode apanhar o 758, que passa no Príncipe Real, embora o 773 e o 790 também possam deixá-lo lá perto. Também se pode ir a pé, ou de trotinete, e chega-se mais depressa. Chama-se Poesia Incompleta e é a única livraria (apenas de) poesia do país, sendo pouco certo que tenha congéneres para lá de Badajoz. O seu sócio principal, patrão, empregado, moço de fretes e fumador com estilo ostenta o nome de guerra Changuito e além de ser uma pessoa com boas ideias é ainda um livreiro de boas práticas. Propusemos-lhe entrevista e não se fez rogado exprimindo-se, de preferência, em verso livre.

Agradecemos a Changuito a disponibilidade manifestada. Pela nossa parte, estaremos sempre disponíveis para publicitar quem assim exerce na área da «formação cívica».

PT. Como é que lhe surgiu esta ideia, a priori um tanto louca, de uma livraria exclusivamente dedicada à poesia? Inspirou-se nalgum caso que tenha conhecido no estrangeiro?

C. A ideia surgiu da necessidade, enquanto leitor, de encontrar livros que não encontrava noutros lugares. Loucura parecia-me não o fazer. A poesia, creio que só suplantada pelo teatro, é o que dizem ser menos vendável, mas, que diabo, há sempre gente que se vai interessando. E, felizmente, não falo só de pessoas dos meios literário-académicos. Ouço e leio, muitas vezes, que só no meio há leitores. Tenho encontrado casos vários que contrariam esta ideia. Leitores que estão a começar bibliotecas, gente que constantemente está a fazer dezoito anos e que tem margem de encantamento; outros, que estarão a meio da sua vida, e se acostumaram a ler poesia, a viver com ela nos intervalos da prosa; felizmente, outros ainda, com setenta, oitenta ou noventa anos que continuam procurando aquele livro que tiveram e já não têm, ou que procuram poetas novos.

Sabia da existência de algumas, mas não conhecia fisicamente nenhuma.

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A autora com a edição nas mãos

A foto aparece no blog da Tea for One com a seguinte legenda: «Inês Dias com o pleno da edição de ‘Em caso de tempestade este jardim será encerrado’ (foto de Marta Chaves)». Inês ri mas percebemos que o volume ainda pesa e não dá muito jeito a transportar; e o autor do post e editor, Miguel Martins, ri-se manifestamente com a legenda que escreveu para a foto que Marta Chaves tirou, enquanto (de certeza) esta dizia a Inês para se rir para o passarinho.

Eis, pois, a diferença empírica entre um livro de poesia e um romance: a edição do romance não caberia num pacote transportável pelo autor. Seria caso para perguntar, entretanto, o que justifica, na era do digital, esta insistência na edição do «livro de poesia». O romance, é sabido, está a acompanhar a grande migração do livro para o e-book, seguido de perto pelo ensaio. O livro infantil será a próxima vítima, seguramente, já que a interactividade activada pela ilustração e pela relação entre esta e o texto só ganhará com a passagem a uma plataforma que permita inflacionar a dimensão lúdica do objecto. O iPad é um instrumento decisivo nesta migração, já que tudo aquilo que se dizia serem os trunfos do formato «códice» – saltos para a frente e para trás na leitura, anotações, etc. – é permitido pelo tablet, que ainda introduz novas e impressionantes valências na área do «manuseio» da obra. E contudo, na remota aldeia da poesia um punhado de gauleses resiste até ao fim…

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Notas sobre Luís Quintais (I)

Não sei se esta é a melhor porta de entrada na poesia de Luís Quintais, mas em todo o caso é a que proponho. Refiro-me ao poema «Nuvens», do livro Duelo, de 2004, um dos dois livros que, no início da década anterior, colocaram Quintais na linha da frente da poesia portuguesa actual, sendo o outro Angst, de 2002. Transcrevo o poema:

Nuvens

A metafísica será talvez
uma indisposição que se quer passageira.

Porém, eu continuo a inquietar-me
com as nuvens que são arrastadas,

violentamente arrastadas, na direcção sudeste,
filtrando a luz do sol em obsessiva correria.

O poema concentra toda a arte de Quintais: o teor alusivo e elusivo; a composição irónica na passagem de um enunciado genérico e abstracto a um pormenor descritivo que não parece corroborar o enunciado mas se justapõe a ele e nos desafia ao estabelecimento dessa relação, ou melhor, ao sentido dessa relação; o estranho impacto emotivo de certas imagens; e ainda, e crescentemente nos últimos livros, embora em rigor desde o início, a sombra do poeta norte-americano Wallace Stevens. James Merrill dizia, de Stevens, que a sua poesia era uma «filosofia involuntária», uma especulação verbal sobre a realidade e sobre a natureza da relação da linguagem, e da linguagem do verso, com ela. Quintais é um poeta dessa família, embora a sua condição pós-metafísica se denuncie naquela qualificação segundo a qual «A metafísica será talvez / uma indisposição que se quer passageira». A crítica, estranhamente, tende a ler estes versos como sintoma de gravitas, descurando a ironia, mais drummondiana que pessoana, desta «indisposição passageira», que é também um envio para os neo-positivistas vienenses, e ainda para o primeiro Wittgenstein, segundo os quais a metafísica era não tanto uma indisposição mas consequência de uma «má colocação» ou, se se preferir, de uma «má posição» durante, digamos, o almoço… O importante não é tanto o «talvez» que introduz a indisposição, mas sim o «Porém» que, no início do terceiro verso, contesta o prestígio pós-metafísico da dúvida introduzida pelo «talvez»: «Porém, eu continuo a inquietar-me», que é como quem diz, nem a destruição nem a desconstrução da metafísica nos dispensam da inquietação propriamente metafísica, pela razão simples de que não podemos «continuar», ainda que no sentido da insistência de um Beckett, para quem só nos restava justamente «continuar», mesmo que sem a caução de um sentido, transcendental ou não, ou seja, não podemos viver sem a inquietação da metafísica.

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Littell, Estaline e Mandelstam

Um apontamento de leitura de Rui Bebiano sobre O Epigrama de Estaline, de Robert Littell (Ed. Civilização), um dos livros dos quais se irá falar na sessão desta segunda-feira. Por aqui.

Livros a apresentar na primeira sessão do «Páginas Tantas»

Ficção:
• Fernando Campos, A rocha branca. Carnaxide, Editora Objectiva (Alfaguara), 2011. ISBN 978-989-672-111-4
• Michel Houellebecq, O mapa e o território, Tradução de Pedro Tamen, Carnaxide, Editora Objectiva (Alfaguara), 2911. ISBN 978-989-672-103-9
• Robert Littell, O Epigrama de Estaline, Porto, Civilização, 2011. ISBN 978-972-26-3321-5

Poesia:
• Manuel António Pina, Como se desenha uma casa, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011. ISBN978-972-37-1616-0

Ensaio:
• Frei Fernando Ventura e Joaquim Franco, Do eu solitário ao nós solidário, Lisboa, Verso de Kapa, 2011. ISBN 978-989-8406-20-0
• Jorge Seabra, África Nossa. O Império Colonial na Ficção Cinematográfica Portuguesa 1945-1974, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011. ISBN 978-989-26-0104-5

Biografia:
• Ricardo Alexandre, João Aguardela. Esta Vida de Marinheiro, Vila do Conde, Quidnovi, 2011. ISBN 978-989-554-870-5

Design:
• Victor 
Palla, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Coleção design de comunicação / communication design, 2011. ISBN 978-972-27-1970-4

Literatura infantil / ilustração:
• Danil Harms, Esqueci-me como se chama, Ilustrações de Gonçalo Viana, Figueira da Foz, Bruaá, 2011. ISBN 978-989-8166-13-5
• Kazumi Yumoto e Komako Sakai, O Urso e o Gato Selvagem, Figueira da Foz, Bruaá, 2011. ISBN 978-989-8166-08-1

«Páginas Tantas» e o mundo editorial

Tratando-se de um programa sobre livros, Páginas Tantas não é pensável sem uma relação forte com o mundo editorial. Na versão do «programa sobre livros» que se irá propor, em que o espaço do Teatro Académico de Gil Vicente será usado para actividades de extensão da obra dos autores convidados, a dimensão expositiva em muito viverá dos livros e de excertos de obras, para lá de eventuais adaptações ou transformações de textos e livros noutros textos e noutras obras ou eventos.

Por estas razões, desde que o programa se começou a preparar que os contactos com as editoras se iniciaram. Em certos casos, nomeadamente os dos autores convidados para esta primeira temporada, de Janeiro a Julho, de modo a que as editoras nos facultem, com antecedência, exemplares de algumas das obras desses autores. Noutros casos, para que as editoras nos enviem livros recentemente editados, e que serão apresentados nas sessões no Teatro Académico de Gil Vicente ou que (embora não possamos garantir que tal ocorrerá sempre) serão objecto de notas de leitura neste blog.

Estamos ainda abertos à recepção de livros não expressamente solicitados, embora sem a garantia de os virmos a referir. Em qualquer dos casos, os livros devem ser enviados para o endereço do TAGV, ao cuidado do programa Páginas Tantas.

Todas as editoras que enviarem livros para o programa serão referidas, nos materiais de divulgação, como entidades apoiantes.

A páginas tantas…

Como se pode ler na página de Apresentação, este blog funcionará como plataforma de apoio à realização do programa Páginas Tantas, que se iniciará no próximo dia 9 de Janeiro no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra, em co-organização com o Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra. Trata-se pois de retomar, ou recomeçar, uma actividade de divulgação do livro que as pessoas associadas à iniciativa, todas elas universitárias, entendem como uma extensão natural da sua prática de investigadores e professores.

Retomar ou recomeçar, dizia-se acima, já que esta iniciativa se segue a outras que decorreram nos últimos anos no Teatro Académico de Gil Vicente – Escaparate e Os Livros Ardem Mal – com equipas algo diferentes mas das quais alguns membros permanecem. O tempo, entretanto, foi fazendo o seu caminho, permitindo extrair lições do que correu bem ou menos bem e criando novas modalidades de divulgação. Páginas Tantas não se distinguirá demasiado dos programas anteriores, mas não se limitará a ser uma mera repetição. Nesse sentido, as «extensões» que proporemos para a obra de cada convidado, e que variarão em função da própria natureza dessa obra, são um desses sinais exteriores de um desejo de repensar o modelo de um programa sobre livros num espaço com as características do teatro académico da Universidade de Coimbra. Finalmente, o registo do programa em suporte digital e a sua posterior disponibilização na colecção iTunes da Universidade de Coimbra, permitirá que o programa atinja uma plateia muito mais alargada, o que se saúda, sem contudo (convém ser nisto claro) fazer desse alargamento a condição de justificação da sua existência.

Quanto a este blog, irá sendo aquilo que a agenda dos seus autores permitir, sem se afastar excessivamente do perfil de um blog sobre livros e «coisas» do mundo cultural, feito por pessoas que são professores universitários e que não deixarão por isso de reflectir, sempre que tal se afigure conveniente, sobre a sua condição de estudiosos e professores. Esperamos poder contar consigo.